quarta-feira, 29 de julho de 2009

História do menino "Dois Mil"

C O N T O S P A R A O S M EU S N E T OS


Dedicados ao Vasco Maria e ao
Pedro Maria porque nasceram no
ano 2000.
Avóínha Sãozinha




História do menino Dois Mil


Nas historias podemos imaginar tudo o que quisermos, até podemos imaginar que um ano é um menino, com braços, pernas, barriga, cabeça …
a pensar, a falar, a correr, a saltar, … a fazer disparates e também coisas acertadas.

Era uma vez um menino chamado “Dois Mil” . “Mil” o apelido e “Dois” o nome. E não era por acaso que ele se chamava assim. Além de ter nascido no ano 2000, chamava-se “Dois” por este número ser o pai de todos os números pares e também o primeiro número primo (parentesco complicado que fica para perceber mais tarde). E chamava-se “Mil” porque este é um número muito grande! Custa tanto contar até mil : 1, 2, 3, 4, 5, … , 99, 100, 101, … , 695, 696, 697, … , parece que nunca mais lá chegamos
… , mas quando chegamos não paramos: 1001, 1002, 1003 , … !!! Viva! Já sabemos tudo ! Já sabemos tudo !

O menino “Dois Mil” chegou a este mundo numa nave espacial e dentro duma máquina do tempo. Vinha de muito longe e de há muito tempo. Queria viver uma nova vida, nos dias de hoje, conhecer o mundo de agora. Para isso teve de esquecer as suas vidas antigas, começar tudo de novo.

Ficou tão admirado com o que viu neste mundo!
Coisas boas e más :
Alguns meninos desta Terra tinham Pai e Mãe, uma casa para viver, irmãos, amigos, brinquedos, mimos, comidinhas e calor … mas outros meninos não tinham nem Pai nem Mãe, nem carinho, nem doçura, só doenças, frio, fome, maus tratos …

Viu meninos da América do Norte, muito modernos, a brincarem com computadores, a comerem comidas “plásticas”, a terem tudo, até pistolas, com que às vezes magoavam muito os outros meninos.
Viu meninos da América do Sul a vadiarem pela rua, sem saberem quem eram os Pais, a viverem uns com os outros, a dormirem por qualquer lado a roubarem e às vezes a serem muito mal tratados por polícias.
Viu meninos de África, muitos estavam tristes, faltavam-lhes pernas e braços por causa da guerra e tinham a barriga grande porque estava vazia, cheia de ar e água, porque tinham fome.
Viu também meninos da Ásia, eram tantos, tantos, que não havia casa para todos, muitos dormiam no chão e também tinham fome.
Os meninos da Oceânia eram mais felizes, tinham mais campos, florestas, muita bicharada, viviam mais perto da Natureza; mas os de Timor estavam tristes porque lhes tinham estragado tudo, as cidades, as aldeias, as casas e até os brinquedos.

O nosso menino “Dois Mil” resolveu nascer na Europa, mais propriamente em Portugal. Escolheu uma barriga quentinha, numa mãe que não tinha fome, onde se sentiu muito bem, muito acarinhado por toda a família mesmo antes de nascer.
O nascimento foi formidável! É verdade que lhe custou um bocado, foi preciso fazer muita força, enfiar a cabecita numa passagem muito apertada … e depois ao chegar cá fora: respirar, sentir frio, sentir calor, abrir os olhos e os ouvidos. Tantas novidades … deixaram-no meio tonto. Sentiu saudades do berço quentinho e acolchoado onde tinha vivido aqueles nove meses.
Mas, depressa se adaptou. Agora via a cara da Mãe, sentia os beijinhos dela, ouvia-lhe a voz, embora ainda não entendesse o que ela dizia. E era tão bom. E via outra cara, outra pessoa que também lhe fazia muitos miminhos, a cara era mais rija às vezes até picava, a voz era mais grossa, as mãos mais fortes, mas continuava a ser tão bom.
E a Mãe dava-lhe de comer, leitinho muito bom que ele chupava com toda a força. De resto, foi a primeira coisa que aprendeu a fazer, chupar: era um artista, chupava tudo, a maminha da Mãe, as mãos, a chupeta, a roupa, tudo o que lhe aparecia na frente.
E tinha uma caminha muito linda e roupas maravilhosas, macias e quentinhas. E estava sempre sequinho, as fraldas eram muito boas e se fazia cócó mudavam-no logo e cheirava bem.
Enfim, costuma dizer-se que nasceu “em berço de ouro”, mas é mais certo se dissermos que nasceu em berço de AMOR.

Até aqui a nossa história é verdadeira. Estamos no ano 2000 e é tudo verdade o que a Avoínha contou.
Ah, sim, só o nome do Menino é que é inventado, mas isso está-se mesmo a ver.
E outra coisa: a nave espacial e a máquina do tempo, essas, para dizer a verdade, nem a Avoínha sabe se são a sério ou a brincar. Daqui a algum tempo talvez se possa saber. … O pior é que a Avoínha já não estará nesse tempo. Mas se for verdade, acredito que os meus netinhos me mandarão um correio expresso numa nave espacial e na máquina do tempo a dizer que afinal o menino “Dois Mil” podia ter chegado assim.

Daqui para diante tudo vai ser fantasia, ainda nem a Avoínha sabe o que vai acontecer ao menino “Dois Mil”, mas de certeza, vão acontecer coisas boas, porque é uma história inventada, e a gente só inventa o que quer , e a Avoínha só gosta de inventar coisas boas para os netos.




AVENTURA DO MENINO 2000


Cenário: Nelas – Casal de S. Miguel. Um dia de primavera: sol,
passarinhos, uma leve aragem, muitas flores no campo e
um cheirinho a plantas aromáticas, que era de endoidecer.


O menino “Dois Mil” saiu de casa de manhã cedo e foi passear. Tomou o pequeno almoço na vinha: uvas fresquinhas e figos de S. João a acompanhar.

Depois de comer e mal tinha dado meia dúzia de passos começou a ouvir um barulhito: frssst… frssst… frssst… O que seria ? Apurou bem o ouvido: frrsssst … frrsssst … frrsssst … Não via nada. Estava tudo tão sossegado. Olhou para o céu, só umas nuvens brancas lá ao longe. Não, não era de cima que vinha o barulho… Se calhar era do chão. .. Pschiu, lá se ouvia outra vez: frrsssst … frrsssst … frrsssst … Resolveu pôr-se de joelhos e encostar o ouvido à terra. E então ouviu com mais força : FRRSSSST … FRRSSSST … FRRSSSST …

Que maravilha, descobriu o que era! Um lagarto bem gordinho com a barriga a arrastar pelo chão! Quando andava fazia aquele barulho que tanto o estava a intrigar. Como tinha encostado a cabeça ao chão o menino “Dois Mil” estava mesmo muito perto do lagarto. Via-lhe os olhitos redondinhos, um bocadinho salientes, com um ar esperto, e aquela boca grande, até parecia que estava a rir … E estava mesmo! E o menino cheio de atenção ouviu o lagarto falar muito baixinho: “Dois Mil”, oh “Dois Mil”, não te assustes: eu sou um lagarto especial, tu também és um menino especial e por isso podemos falar.
O menino ficou muito admirado, não sabia que havia lagartos especiais e também não imaginava que ele era um menino especial, mas se o lagarto estava a falar e se ele ouvia, então realmente eram os dois - uma grande especialidade !!!
Ficaram logo amigos: deram um aperto de mão com pata e … toca a andar, tinham todo o dia para se conhecerem, para passearem e para aprenderem muitas coisas.

Foi o lagarto que decidiu onde haviam de ir passear. Ele já era velhote, conhecia bem aquelas terras e até já tinha dado muitos passeios com o Bisavô do menino, o Dr. Aurélio que era o médico lá da terra. Às vezes iam ver doentes, outras vezes passeavam pelas vinhas e outras por ali andavam porque o Dr. Aurélio gostava muito daquelas pessoas e daqueles lugares, falava com todos, perguntava-lhes pela saúde e pela família e guardava no coração aqueles campos, aquelas pedras, aqueles casebres, aquelas gentes...
Na verdade, o lagarto não falava com o Bisavô Aurélio, ele era um Senhor de respeito e os senhores de respeito não acreditam em lagartos que falam … Quando iam ver doentes ele ia muito sossegadinho no carro, debaixo do banco, e quando iam passear trepava-lhe pelas costas acima (era difícil porque o Bisavô era muito alto) e instalava-se no chapéu ( o Bisavô usava sempre chapéu ) e então era uma maravilha : via tudo lá de cima. Que novidades, ele que estava habituado a ver tudo rentinho ao chão.
E com esta conversa lá iam por aí fora o Menino “Dois Mil” e o lagarto.

Mas, afinal ainda não sei onde vamos disse o “Dois Mil”, já me começam a doer as perninhas, já passámos vinhas, batatais, caminhos, pinhais … começo a ficar cansado.
È verdade, que pateta eu sou, respondeu o lagarto, esquecia-me que tu és mais pesado que eu, custa-te a andar e ainda és pequenino. Olha vamos à “Pedra Lavrada” .Era a vinha de que o teu Bisavô mais gostava, fui lá com ele muitas vezes. Já não é longe, agora vamos passar a linha do comboio e depois é mais um bocadito e à chegada temos uma surpresa, um belo almoço para os dois. Já que somos especiais, também podemos fazer aparecer um almoço “especial”.

Oh lagarto, como é que tu te chamas ? disse de repente o Menino “Dois Mil”. Já somos tão amigos e só agora me lembrei de te perguntar o nome.
Ah, ah, ah … riu-se o lagarto, vai ser difícil explicar, mas como tu és um menino especial pode ser que compreendas: Sabes, tal como tu és um menino especial eu também sou um lagarto especial. Os outros, os meus irmãos, os meus familiares, não são capazes de falar nem de te ouvir, entendemo-nos, entre nós, mas, de outra maneira, que é só nossa. E… custa-me confessar-te, mas como somos amigos, lá vai: eu também não entendo os teus amigos, os teus familiares, só te entendo a ti. Nós, entre os lagartos, não temos nome, não precisamos de nos chamarmos, somos assim. Mas para ti eu posso ser o “Frrsssst”, foi o primeiro som que nos fez aproximar e que fez começar a nossa amizade.
Iupi! Iupi! disse o Menino “Dois Mil”, e que grande é a nossa amizade! Ela consegue ultrapassar, todas as nossas diferenças!

E com isto chegaram à linha do comboio. Pararam, apuraram o ouvido e ouviram ao longe o barulho do comboio (coisa curiosa: este barulho é entendido por todos os meninos e todos os lagartos, mesmo quando não são especiais). Tiveram um bocadinho de medo, encostaram-se um ao outro e esperaram muito quietinhos que o comboio passasse:
Vssst … Vssst … Pohoooooo … Pohoooooo …
E o lagarto disse ao menino: Quando eu aqui passava com o teu Bisavô o barulho era diferente:
Pouca-Terra … Pouca-Terra … Uuuuh … Uuuuh
Agora os comboios são eléctricos, antigamente eram a carvão e deitavam fumo. É a isto que a tua gente chama progresso. Para dizer a verdade, não percebo lá muito bem o que é isso do progresso… Como sou um lagarto especial e sou capaz de pensar, tenho pensado muito: Progresso, progresso … Quererá dizer pressa, corrida, velocidade ? … Os homens quererão fazer muito mais coisas no tempo que têm de Vida ? … O pior, é que a correr não dá para ver, para ouvir, para pensar … Deus queira que qualquer dia não se arrependam, e depois… pode ser tarde… Olha, “Dois Mil” quando tu fores grande hás-de explicar-me o que é o progresso, estou muito baralhado, também há-de ter coisas boas, pela certa …
E o Menino “Dois Mil” pensou que havia de estudar muito, para perceber bem o que era o progresso e como se deveria aproveitar. E depois havia de conversar com o Frrsssst, e tirar-lhe todas aquelas dúvidas. Ele bem merecia, estava a ensinar-lhe tantas coisas.

Por fim lá chegaram à “Pedra Lavrada”. È uma bela vinha com uvas muito boas e outras menos doces mas que são boas para fazer vinho. Também tem pinhal, muito sol, bons ares e muita água. Mas é preciso cuidado com os poços, o que vale é que o Frrsssst conhece-os todos e cuidadoso como é, não deixou o 2000 aproximar-se demais.
Mas brincaram no tanque, que parece que tem um tapete verde por cima,
(atenção que são plantinhas e por baixo é água, dizia o Frrsssst, com os seus cuidados). Até atiraram uma pedrinha pequenina para o meio do tanque, que fez saltar muitas primas do Frrsssst, eram as rãs, que fizeram uma coaxada enorme a dar-lhes as boavindas: Coax! Coax! Coax! Olá! Olá! Sejam benvindos!

E chegou a hora do almoço. E a grande surpresa era uma cestinha com os petiscos da Bisavó São José. Ela sabia fazer coisas muito boas, tinham fama os almoços do Casal de S. Miguel! Primeiro estenderam a toalha aos quadrados azuis e brancos, depois puseram uma pedrinha em cada canto para a não deixarem voar. E depois vieram as iguarias : Maionese muito enfeitada com cores lindas, Cabrito Assado, Empadas, Rissóis, Bolinhos de Bacalhau, Feijoada, Arroz à Valenciana. E os doces: Depressa e Bom, Ovos em Fio, Pastelinhos de Nelas, Salada de Fruta. Tantas coisas tão boas e muitas outras que a Bisavó São José sabia fazer … Comeram só um bocadinho pequenino de cada coisa para provarem e não apanharem uma indigestão. O “Frrsssst” que estava habituado a só comer bichitos pequenitos e crus ficou todo consolado, lambia a beiça e dizia : “Ainda bem que sou um lagarto especial, assim posso provar todas estas “especialidades”. E o Menino “Dois Mil” estava todo vaidoso porque as especialidades eram da sua Bisavó . Ele nunca a conheceu, mas conhecia-lhe os petiscos, os tapetes de Arraiolos, as toalhas de mesa, as colchas … e essas coisas eram bocadinhos dela que não se perderam no tempo.

Pronto, acabou-se a AVENTURA DO MENINO 2000. Já estamos todos cansados, a Avoínha e os netos. Se calhar, qualquer dia nascem mais netos e a Avoínha tem de começar a pensar em novas histórias para lhes dedicar…

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