domingo, 28 de março de 2010

Histórias para a Páscoa - A Pata Genoveva

CATRAPUZ!...
O que é isto... Que aconteceu?... Estava a dormir tão bem, na minha cama, tão sossegada, e… de repente… Que é isto?... Que foi?... Um bicho?... Tem penas e faz cuá-cuá… Esfrego os olhos, penso que foi um sonho mau, mas o bicho está a mexer-se… e eu cheia de medo encolho-me, escondo a cara na almofada… e agora o bicho puxa-me pelos cabelos, faz-me cócegas atrás das orelhas… quer mesmo chamar a minha atenção!…
Não, assim não pode ser. Eu sou corajosa! De um pulo sento-me na cama, cruzo as pernas, e… à minha frente está uma pata. Que linda pata! Toda branca, gordinha, a piscar-me o olho e a rir-se para mim.
Estou mesmo a ver que não acreditam no que eu digo… Mas olhem que é verdade e eu vou explicar:
Hoje é Domingo de Ramos, de hoje a oito dias Domingo de Páscoa. Eu andava aflita, ainda não tinha história para os netos, nem tempo para a escrever, nem ideias engraçadas, nem malucas, nem desajeitadas…
Então a minha imaginação descobriu a pata, e ela aqui está, de carne e osso, aterrou em cima da minha cama e prepara-se para nos contar a sua história.

História da Pata Genoveva

Eu sou uma pata lisboeta. O meu Pai e a minha Mãe viviam no Campo Grande mas quando resolveram ter uma família mudaram-se para o Jardim da Estrela. Era mais abrigado, não tinha tanta poluição e como tem gradeamento a toda a volta, eu e os meus irmãos ficaríamos mais protegidos. Assim, num ninho à beira do lago, onde a minha Mãe pôs oito ovos e onde durante quatro semanas os chocou com muito amor e carinho, nascemos nós, seis patas e dois patos. A mim puseram-me o nome de Genoveva, Genoveva Pata Estrela, nascida na freguesia da Lapa, concelho de Lisboa, no dia 18 de Junho de 2004, só não tenho nº de B.I. porque os patos não usam bilhete de identidade.

Cresci no Jardim da Estrela, muito feliz. Brincávamos, eu e os meus irmãos, nadávamos e mergulhávamos no lago e gostávamos de andar sempre em fila uns atrás dos outros. Parece que eu era a mais atrevida, dizem os meus Pais. Gostava de pregar partidas às pessoas que passeavam no jardim, sobretudo aos namorados que estavam sempre tão entretidos que nem davam pela falta dos lenços e carteiras delas, com que eu gostava de me enfeitar, ou dos óculos escuros e bonés deles com que eu fazia palhaçadas e divertia os meus irmãos. Uma dia apanhei um MP3, puz os auscultadores nos ouvidos e… foi uma festa! Dancei, dancei, dancei sem parar! Juntou-se uma roda de gente, aplaudiam, batiam palmas e diziam: A patita tem alma de artista!
A minha Mãe é que não gostou nada: “Oh Genoveva, foi esta a educação que te dei? Uma menina pata bem-educada deve ser recatada”.
Agarrou-me pelo rabito e lá me levou, aos trambolhões, para a casa dos patos, à beira do lago. Chorei, chorei, toda essa noite!... O meu desgosto não era tanto por a minha Mãe me ter ralhado, era sim, por ter descoberto que era uma pata artista e que se calhar a família não ia gostar nem ia apoiar a minha arte.
Nos primeiros tempos foi duro, chamavam-me maluca, riam-se, e os meus irmãos atrás de mim, cantavam assim:

Genoveva, Genoveva,
Ninguém te quer, ninguém te leva,
Tem graça uma pata actriz?
Só, com um dedo no nariz!
E nos estúdios da televisão?
Pata é boa p´ra lavar o chão!
Genoveva, Genoveva,
Ninguém te quer, ninguém te leva…

Mas eu nunca desisti. Treinei, às vezes escondida atrás das árvores, estudei, fiz ginástica, ballet, tirei cursos de arte. Logo que comecei a ter asas bastante fortes para poder voar, atrevi-me a sair do jardim e voei até ao Chapitô*. Aí ensinava-se arte a sério e ninguém se importava com a aparência dos outros, aceitaram-me mesmo sendo pata e fiz-me uma grande artista.
Ao voltar ao jardim o ambiente era outro. Os meus Pais envaideciam-se com a minha arte, os meus irmãos entusiasmavam-se e queriam sempre assistir aos meus espectáculos. Os jardineiros, tratadores de animais e guardas que trabalhavam no jardim orgulhavam-se de mim. Os passeantes, namorados, velhotes, avós com os seus netinhos, garotos vindos das escolas, todos passaram a ser meus incondicionais espectadores
Consegui fazer o que queria na vida. Hoje sou uma artista consagrada. Há cartazes por Lisboa a anunciarem as minhas actuações, já trabalhei no Teatro D. Maria II e até já contracenei com a Eunice Munhoz e com o Rui de Carvalho!

Deves estar agora a pensar porque é que eu vim parar aqui, acima da tua cama, e, agora, na altura da Páscoa. É que os artistas gostam sempre de colaborar nas boas causas. E é uma boa causa distribuir ovos de chocolates pelos meninos de todo o mundo no Domingo de Páscoa.
Queres-me dar os teus ovos para eu os ir esconder por esses jardins do mundo inteiro? Como tenho umas asas fortes consigo chegar a toda a parte… E. também posso fazer os meus números artísticos, e que poderão ser vistos por todos os meninos com os olhos da sua imaginação…


Páscoa, 2010

Maria da Assunção Ferraz de Oliveira

*Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espectáculo