A Canção da Água
Já alguma vez ouviste cantar a água?
É verdade. A água canta!
Canta nos mares, canta nos rios,
Canta nas ribeiras…
E até canta nas torneiras!
A chuva também canta.
E a água a ferver…
Quando canta… canta a gemer!...
Os cantares são sempre diferentes:
No mar, o cantar é forte, repetido,
Impõe respeito. Avança num rugido…
E depois espraia-se a descansar,
Sempre a ir e voltar… sem nunca acabar!
Nos rios, às vezes, canta pianinho:
Nas planícies, nas barragens,
Sem ventos nem aragens.
Mas se desce a serra a correr
A cantoria é de endoidecer,
Com contra-baixo e bateria,
É uma festa! Uma alegria!
E, ao chegar ao mar,
Descansa da caminhada
E canta uma balada!
Na ribeira…
A água parece uma cantadeira
De cantigas populares:
Ora ponha aqui, ora ponha aqui o seu pezinho,
Ora chegadinho, ora chegadinho ao pé do meu,
Ao retirar, ao retirar o seu pezinho,
Ó Ai Jesus, ó ai Jesus que lá vou eu…
Com a água da torneira,
Ai que sons de encantar
Nós podemos combinar!
A água a regar ou lavar,
Um jardim de flores ou o chão,
A agua a pingar ou a escorrer,
Num copo de cristal ou num latão!
Experimenta se queres ver
Que linda canção podes fazer!...
E num dia de inverno e de mau tempo,
Se fores à janela, do lado de dentro,
Sem teres frio e sem te molhar,
Ouves a chuva a cair… o vento a soprar…
É um momento de encantamento,
A água está a cantar!...
Serra da Amoreira, 29 de Outubro de 2009
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Para o meu neto Francisco
PARA O MEU NETO FRANCISCO
Era uma vez um garoto
Que corria sem parar…
Tinha perna de gafanhoto
E andava a rebolar…
Sua graça: - Francisco José,
Era neto da Avóinha,
Tomava banho no bidé,
Comia sopa na cozinha.
Não gostava de fazer cópia,
Mas lia bem a lição!
Não tinha medo da bófia
Era um grande valentão!
Tinha dois manos catitas:
Senhor Dom Sebastião,
E a mana pequenita
Menina Maria “Sunção”
Os três gatinhos malteses
Gostavam de esgadanhar,
E por isso muitas vezes
Tudo acabava a miar…
E o grande gato Tio Vasco
Ajudava à confusão…
Que belo era o repasto!
Um mais três faz um milhão!
E para acabar a história,
Gata Avóinha rabeta Um beijo muito grande da
Vai buscar a palmatória… Avóinha
Para a deitar na valeta! Junho de 1999
Era uma vez um garoto
Que corria sem parar…
Tinha perna de gafanhoto
E andava a rebolar…
Sua graça: - Francisco José,
Era neto da Avóinha,
Tomava banho no bidé,
Comia sopa na cozinha.
Não gostava de fazer cópia,
Mas lia bem a lição!
Não tinha medo da bófia
Era um grande valentão!
Tinha dois manos catitas:
Senhor Dom Sebastião,
E a mana pequenita
Menina Maria “Sunção”
Os três gatinhos malteses
Gostavam de esgadanhar,
E por isso muitas vezes
Tudo acabava a miar…
E o grande gato Tio Vasco
Ajudava à confusão…
Que belo era o repasto!
Um mais três faz um milhão!
E para acabar a história,
Gata Avóinha rabeta Um beijo muito grande da
Vai buscar a palmatória… Avóinha
Para a deitar na valeta! Junho de 1999
domingo, 13 de setembro de 2009
O Boi Barnabé, a Vaca Balbina e a Vitela Serafina
O Boi Barnabé, a Vaca Balbina e a Vitela Serafina
O Boi Barnabé, a Vaca Balbina
E a Vitela Serafina,
Todos três bem aperaltados,
Foram passear pelos prados…
A Vaca Balbina,
Toda ela muito fina:
Numa pata ia a carteira,
Na outra uma pulseira,
Na cabeça uma “capeline”
De rendas e “mousseline”.
(De palha não…
Podia ser uma tentação…)
A saia era rodada
P´ra esconder a “rabalhada”,
O casaco bem ajustado
Com pregadeira ao lado.
Sapatos?... Que aflição!
Ai… que a vaca cai no chão!...
De salto alto e bem fino,
Troca o passo, anda com tino…
O Boi Barnabé,
Quem julgam que é?
Um bicho grandalhão
Negro como um tição,
De fato e gravata,
Bengala de prata.
De relógio ao peito
P´ra meter respeito.
Na cabeça uma cartola,
Bem agarrada, com cola,
Porque os cornos não cabiam
Ora entravam, ora saíam,
E o pobre do coitado,
Ficava envergonhado…
… Agora, para cumprimentar,
Só tem que a cabeça curvar!
A Vitela Serafina…
Que linda menina!
Que bela garota,
Vestida de minhota!
Arrecadas e cordões,
Ouro aos montões!
Blusa branca com bordado,
Colete justo, apertado,
Saia, avental e algibeira,
Lenço na cabeça, à maneira,
Meia rendada, chinela no pé,
Olarilolé!
Não se esqueçam que é vitela
Esta bonita donzela!...
Estou divertida a escrever…
Riam comigo a valer!...
Chegados ao fim do dia,
Cansados de tanta folia,
O boi, a vaca e a vitela
Despiram a farpela
Recolheram ao curral
E disseram:
“Aqui, nem se está nada mal…
Cada um é como cada qual!...”
Para os meus netos, sobrinhos-netos e primos-netos, mais pequenos, todos Côrte-Reais, descendentes da Avó Maria da Assunção e do Avô José, no dia do almoço de família organizado pelas primas Zezinha, Migucha e Assunção, na casa da Migucha e do António Carlos
Paredes de Viadores, 19 de Setembro de 2009
Avóinha Sãozinha
P. S. A “toilette” da Vitela Serafina é em homenagem aos sobrinhos- -netos do Norte.
O Boi Barnabé, a Vaca Balbina
E a Vitela Serafina,
Todos três bem aperaltados,
Foram passear pelos prados…
A Vaca Balbina,
Toda ela muito fina:
Numa pata ia a carteira,
Na outra uma pulseira,
Na cabeça uma “capeline”
De rendas e “mousseline”.
(De palha não…
Podia ser uma tentação…)
A saia era rodada
P´ra esconder a “rabalhada”,
O casaco bem ajustado
Com pregadeira ao lado.
Sapatos?... Que aflição!
Ai… que a vaca cai no chão!...
De salto alto e bem fino,
Troca o passo, anda com tino…
O Boi Barnabé,
Quem julgam que é?
Um bicho grandalhão
Negro como um tição,
De fato e gravata,
Bengala de prata.
De relógio ao peito
P´ra meter respeito.
Na cabeça uma cartola,
Bem agarrada, com cola,
Porque os cornos não cabiam
Ora entravam, ora saíam,
E o pobre do coitado,
Ficava envergonhado…
… Agora, para cumprimentar,
Só tem que a cabeça curvar!
A Vitela Serafina…
Que linda menina!
Que bela garota,
Vestida de minhota!
Arrecadas e cordões,
Ouro aos montões!
Blusa branca com bordado,
Colete justo, apertado,
Saia, avental e algibeira,
Lenço na cabeça, à maneira,
Meia rendada, chinela no pé,
Olarilolé!
Não se esqueçam que é vitela
Esta bonita donzela!...
Estou divertida a escrever…
Riam comigo a valer!...
Chegados ao fim do dia,
Cansados de tanta folia,
O boi, a vaca e a vitela
Despiram a farpela
Recolheram ao curral
E disseram:
“Aqui, nem se está nada mal…
Cada um é como cada qual!...”
Para os meus netos, sobrinhos-netos e primos-netos, mais pequenos, todos Côrte-Reais, descendentes da Avó Maria da Assunção e do Avô José, no dia do almoço de família organizado pelas primas Zezinha, Migucha e Assunção, na casa da Migucha e do António Carlos
Paredes de Viadores, 19 de Setembro de 2009
Avóinha Sãozinha
P. S. A “toilette” da Vitela Serafina é em homenagem aos sobrinhos- -netos do Norte.
quinta-feira, 30 de julho de 2009
A bailarina e a ventoinha
HISTÓRIA PARA A PÁSCOA
Está frio, está a chover, quase a nevar.
E estamos na Páscoa e na Páscoa costuma estar sol e bom tempo, mas este ano não é assim. Os anos não são todos iguais. As pessoas também não são todas iguais e até a mesma pessoa muda conforme os dias, os locais, os amigos que tem à volta. Às vezes estamos tristes, outras alegres, outras cansados, outras cheios de energias.
Eu estou à lareira no Pedrógão. Não estou cansada, nem triste nem alegre, estou sozinha e com alguma energia. Quero escrever a história da Páscoa para os meus netos e para outros meninos se a quiserem ouvir. Numa Páscoa fria não há patas a voar mas tem de haver ovos para procurar no jardim…
As labaredas da lareira parecem bailarinas a dançar e às vezes há uns estalidos e saem muitas luzinhas vermelhas, é mesmo lindo… Irradia calor a lareira e o calor é bom agora no tempo frio, no verão não, gostamos mais de ventoinhas, embora eu não consiga descobrir nas ventoinhas nenhuma poesia.
Que bom! Agarrei a história, já tenho nome para ela e começo a ter ideias para a compor:
A BAILARINA E A VENTOÍNHA
Era uma vez uma menina chamada Margarida. Nasceu muito pequenina, feiinha, com pouco cabelo e com umas orelhas enormes.
As pessoas más quando a viam, chamavam-lhe “careca orelhuda”.
As pessoas boas diziam: “Deixa-os, não lhes ligues, vais ver que ainda hás-de valer mais do que todos eles.”
A menina foi crescendo e tinha muito talento: gostava de música, dançava, os pezinhos eram leves como nuvens e o corpo e os braços pareciam as labaredas da lareira.
E mais ainda, descobriu que tinha o mesmo nome que uma grande bailarina “Margot Fontein” e por isso decidiu que seria bailarina.
O pior era as orelhas. Tudo nela bailava: o corpo, as pernas, os braços, as mãos. Só as orelhas teimavam em abanar, sem graça nenhuma, como o abano que tenho aqui na minha frente e serve para espertar o lume.
Era triste, a Margarida, por causa das orelhas…
Um dia, teve uma ideia, tão simples, tão simples, que ficou admirada por nunca a ter tido antes: Arranjou um turbante, pô-lo à volta da cabeça e guardou, dentro dele, as orelhas. E a menina triste passou a ser uma menina alegre: Saltava, dançava em pontas, fazia a espargata, e as orelhas nunca mais a incomodaram.
Tornou-se uma grande bailarina. Usava sempre o seu turbante. Variava as cores e o feitio. Turbantes azuis da cor do mar, amarelos, cor de rosa, vermelhos, pretos, mudavam conforme as músicas que dançava. E os feitios também: tinha-os com forma de pássaros, de búzios, de toucas de renda. Muitas vezes inspirava-se nos lenços das mulheres africanas.
Passou a ser conhecida como a “bailarina do turbante”. E começou a correr mundo: tão depressa estava na China, como na América, ou em África ou na Europa. Em toda a parte era aplaudida, todos gostavam dela, todos a queriam ver dançar.
E a menina dançava, dançava, e às vezes pensava: Tantas crianças tenho visto pelo mundo fora e todas gostam de mim. Serão crianças felizes? Haverá alguma que, como eu em pequenina, teve grandes desgostos? Serão tristes?...
E parecia-lhe que sim: lembrava-se dos meninos com fome e frio, daqueles a quem tinham morrido o Pai, a Mãe ou os dois, os que tinham desgosto porque não conseguiam aprender na escola ou porque se achavam feios, os que pensavam que os outros meninos não gostavam deles e até os que choravam e se sentiam tristes sem nenhuma razão para isso.
E esta ideia dos meninos infelizes cada vez a afligia mais. O que poderia ela fazer para lhes dar, ao menos, um bocadinho de alegria?
Era preciso uma ideia… uma ideia…
E como a Avóinha, no princípio desta história, teve uma ideia luminosa, agarrou-a com força e deu-lhe “pernas para caminhar”.
Foi a casa de um amigo, o Henrique, que era mecânico de automóveis, um bom profissional, que, como ela, conseguia sair-se sempre bem das dificuldades. Pediu-lhe um motor que fosse leve e pequenino mas muito potente.
“É difícil” respondeu-lhe ele “mas vou tentar”. E conseguiu: Lembrou-se da energia solar, assim não precisava de um depósito de combustível e o motor saiu muito potente, leve e pequenino. “E agora vamos pô-lo no seu lugar. Preciso da tua ajuda” disse ela ao Henrique.
Como eram muito amigos nem se envergonhou de lhe mostrar as feias orelhas. “Preciso que me adaptes o motor, aqui atrás, na minha cabeça, e o ligues às minhas orelhas para fazer delas uma ventoinha. Quero correr mundo, ir visitar meninos tristes, assim poderei deslocar-me com facilidade”.
O Henrique colocou o motor, pôs-lhe as orelhas a bater, deu-lhes a forma de asas e até as tornou bonitas.
A Margarida durante a semana usava o turbante, dançava, dava espectáculos, era aplaudida por todos.
No fim-de-semana punha a ventoinha a trabalhar, ia visitar meninos, conversar com eles, contar-lhes a sua história, dar-lhes presentes.
E, assim, a Margarida era sempre feliz, com orelhas e sem orelhas, durante a semana e ao fim de semana.
Foi assim que ela fez muitos Amigos.
E num domingo de Páscoa, neste domingo de Páscoa, a sua alegria transbordou e foi pelo mundo fora a semear ovinhos de Páscoa por todos os quintais onde havia meninos.
Preparem-se para os procurar. Vão encontrar ovinhos de chocolate, mas mais importante do que eles é a mensagem que a bailarina Margarida vos vai deixar, oiçam-na com atenção:
“Não se assustem com as dificuldades,
Saibam ultrapassá-las e usá-las
para vossa alegria e daqueles que vos rodeiam.
Sejam felizes a fazer os outros felizes.
Está frio, está a chover, quase a nevar.
E estamos na Páscoa e na Páscoa costuma estar sol e bom tempo, mas este ano não é assim. Os anos não são todos iguais. As pessoas também não são todas iguais e até a mesma pessoa muda conforme os dias, os locais, os amigos que tem à volta. Às vezes estamos tristes, outras alegres, outras cansados, outras cheios de energias.
Eu estou à lareira no Pedrógão. Não estou cansada, nem triste nem alegre, estou sozinha e com alguma energia. Quero escrever a história da Páscoa para os meus netos e para outros meninos se a quiserem ouvir. Numa Páscoa fria não há patas a voar mas tem de haver ovos para procurar no jardim…
As labaredas da lareira parecem bailarinas a dançar e às vezes há uns estalidos e saem muitas luzinhas vermelhas, é mesmo lindo… Irradia calor a lareira e o calor é bom agora no tempo frio, no verão não, gostamos mais de ventoinhas, embora eu não consiga descobrir nas ventoinhas nenhuma poesia.
Que bom! Agarrei a história, já tenho nome para ela e começo a ter ideias para a compor:
A BAILARINA E A VENTOÍNHA
Era uma vez uma menina chamada Margarida. Nasceu muito pequenina, feiinha, com pouco cabelo e com umas orelhas enormes.
As pessoas más quando a viam, chamavam-lhe “careca orelhuda”.
As pessoas boas diziam: “Deixa-os, não lhes ligues, vais ver que ainda hás-de valer mais do que todos eles.”
A menina foi crescendo e tinha muito talento: gostava de música, dançava, os pezinhos eram leves como nuvens e o corpo e os braços pareciam as labaredas da lareira.
E mais ainda, descobriu que tinha o mesmo nome que uma grande bailarina “Margot Fontein” e por isso decidiu que seria bailarina.
O pior era as orelhas. Tudo nela bailava: o corpo, as pernas, os braços, as mãos. Só as orelhas teimavam em abanar, sem graça nenhuma, como o abano que tenho aqui na minha frente e serve para espertar o lume.
Era triste, a Margarida, por causa das orelhas…
Um dia, teve uma ideia, tão simples, tão simples, que ficou admirada por nunca a ter tido antes: Arranjou um turbante, pô-lo à volta da cabeça e guardou, dentro dele, as orelhas. E a menina triste passou a ser uma menina alegre: Saltava, dançava em pontas, fazia a espargata, e as orelhas nunca mais a incomodaram.
Tornou-se uma grande bailarina. Usava sempre o seu turbante. Variava as cores e o feitio. Turbantes azuis da cor do mar, amarelos, cor de rosa, vermelhos, pretos, mudavam conforme as músicas que dançava. E os feitios também: tinha-os com forma de pássaros, de búzios, de toucas de renda. Muitas vezes inspirava-se nos lenços das mulheres africanas.
Passou a ser conhecida como a “bailarina do turbante”. E começou a correr mundo: tão depressa estava na China, como na América, ou em África ou na Europa. Em toda a parte era aplaudida, todos gostavam dela, todos a queriam ver dançar.
E a menina dançava, dançava, e às vezes pensava: Tantas crianças tenho visto pelo mundo fora e todas gostam de mim. Serão crianças felizes? Haverá alguma que, como eu em pequenina, teve grandes desgostos? Serão tristes?...
E parecia-lhe que sim: lembrava-se dos meninos com fome e frio, daqueles a quem tinham morrido o Pai, a Mãe ou os dois, os que tinham desgosto porque não conseguiam aprender na escola ou porque se achavam feios, os que pensavam que os outros meninos não gostavam deles e até os que choravam e se sentiam tristes sem nenhuma razão para isso.
E esta ideia dos meninos infelizes cada vez a afligia mais. O que poderia ela fazer para lhes dar, ao menos, um bocadinho de alegria?
Era preciso uma ideia… uma ideia…
E como a Avóinha, no princípio desta história, teve uma ideia luminosa, agarrou-a com força e deu-lhe “pernas para caminhar”.
Foi a casa de um amigo, o Henrique, que era mecânico de automóveis, um bom profissional, que, como ela, conseguia sair-se sempre bem das dificuldades. Pediu-lhe um motor que fosse leve e pequenino mas muito potente.
“É difícil” respondeu-lhe ele “mas vou tentar”. E conseguiu: Lembrou-se da energia solar, assim não precisava de um depósito de combustível e o motor saiu muito potente, leve e pequenino. “E agora vamos pô-lo no seu lugar. Preciso da tua ajuda” disse ela ao Henrique.
Como eram muito amigos nem se envergonhou de lhe mostrar as feias orelhas. “Preciso que me adaptes o motor, aqui atrás, na minha cabeça, e o ligues às minhas orelhas para fazer delas uma ventoinha. Quero correr mundo, ir visitar meninos tristes, assim poderei deslocar-me com facilidade”.
O Henrique colocou o motor, pôs-lhe as orelhas a bater, deu-lhes a forma de asas e até as tornou bonitas.
A Margarida durante a semana usava o turbante, dançava, dava espectáculos, era aplaudida por todos.
No fim-de-semana punha a ventoinha a trabalhar, ia visitar meninos, conversar com eles, contar-lhes a sua história, dar-lhes presentes.
E, assim, a Margarida era sempre feliz, com orelhas e sem orelhas, durante a semana e ao fim de semana.
Foi assim que ela fez muitos Amigos.
E num domingo de Páscoa, neste domingo de Páscoa, a sua alegria transbordou e foi pelo mundo fora a semear ovinhos de Páscoa por todos os quintais onde havia meninos.
Preparem-se para os procurar. Vão encontrar ovinhos de chocolate, mas mais importante do que eles é a mensagem que a bailarina Margarida vos vai deixar, oiçam-na com atenção:
“Não se assustem com as dificuldades,
Saibam ultrapassá-las e usá-las
para vossa alegria e daqueles que vos rodeiam.
Sejam felizes a fazer os outros felizes.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
História dos "Sapatos Mais Lindos do Mundo"
HISTÓRIA DOS “SAPATOS MAIS LINDOS DO MUNDO"
A Avoínha vai contar uma história, muito secreta, com muita magia. É para ouvir com toda, toda a atenção e guardar lá bem dentro do coração. Tem fantasia e tem verdade e a mistura destas duas talvez nos vá dar felicidade.
A história passa-se no Pedrógão e começa no lagar, mais propriamente no sobrado do lagar, naquele sobrado muito grande, que parece a barriga da baleia que engoliu o Jonatas há muitos, muitos séculos, ainda no tempo do Antigo Testamento, antes de nascer o Jesus. Se calhar o Padrinho velhinho, que já era Avô do Pai Avô, quando mandou fazer o lagar com aquele sobrado tão grande estava a pensar no Jonatas e por isso mandou pôr todas aquelas traves e barrotes, que parecem as costelas da baleia e que seguram o telhado há tantos anos e com tanta força que ele não está ainda, nem um bocadinho torto.
Lá, nesse sobrado, existem muitas maravilhas velhinhas. São maravilhas porque todas têm uma história linda para contar. Às vezes é bom ir até lá e ouvi-las: A cadeira de ajoelhar (genuflexório) da Tia Cândida conta a sua história como quem diz uma grande lenga-lenga. É que durante a sua vida ouviu tantos Padre-Nossos e Ave-Marias que ainda continua com aquele jeito: Santa Maria Mãe de Deus … a Tia Cândida era tão minha amiga … rogai por nós pecadores … ajoelhava-se na minha almofadinha, apoiava os braços na minha cabeça … agora e na hora … o terço dela fazia-me cócegas … Ámen. E as histórias daquele arcaz que guardou tantas preciosidades dentro da sua barriga, nem digo nada, davam para escrever um livro …
Mas hoje vamos contar a história duma pequena maravilha que deve lá estar no sobrado muito escondida, tão escondida que só os olhos da imaginação a vêm e os ouvidos das recordações e da fantasia a ouvem.
São uns sapatos lindos, da cor do luar do Pedrógão nas noites de lua cheia e de milhares de estrelas, enfeitados com as penas das cegonhas que por lá passam há centenas de anos, com solas fortes, tão fortes e tão rijas como as pedras da aldeia e da cruz à porta da Igreja, que só a Tia Filipa conseguiu partir num dia de muita valentia, e têm musica, uma música muito suave feita do canto de rouxinóis, cucos, popas, papa-figos e chocalhos de rebanhos, – tudo sons do Pedrógão.
Estes sapatos têm poderes especiais, andam no espaço e no tempo. Sabem o que isto quer dizer? Como quaisquer sapatos vão aqui, vão ali e vão além, mas mais do que quaisquer outros vão a ontem, vão a hoje e vão a amanhã.
E lá vai a história que tem três partes: uma passada num ontem de há 50 anos, outra num ontem de há cerca de 35 anos e a última nos dias do tempo presente.
Um belo dia, a Constancinha que é a menina mais pequenina da família e que é um macaco trepador como a Mãe dela, a Tia Filipa, resolveu fazer uma escapada até ao sobrado do lagar. Ficou encantada com aquelas maravilhas! Mas os sapatos, ai, os sapatos deixaram-na deslumbrada … Num abrir e fechar de olhos enfiou-os nos pés e sentiu-se transportada no espaço e no tempo: a viagem no espaço foi pequena, só até uma das janelitas do sobrado que dão para o pátio grande, que antigamente se chamava picadeiro, mas a viagem no tempo foi muito maior e a andar para trás, cerca de meio século. E que viu ela da janelita do sobrado? Um senhor, já duma certa idade, muito direito com um cajado na mão e um chapéu à “mezantina” a olhar para os seus cavalos que brincavam no picadeiro: o Ring, lindo cavalo castanho dourado que tinha sido montado pela Conchita Citron, a Miss, que era muito mansa e se agachava para se deixar montar, e outros cavalos, e uma parelha de machos e no meio deles o Zé Ramos que era pequenito e que era o cocheiro. Ao pé do senhor estavam dois rapazes, um que falava muito e tinha ar de muito entendido e outro mais calado que fez festas aos cavalos e depois se empoleirou em cima duma mó junto à parede do lagar a fazer qualquer coisa que a Constancinha não conseguiu perceber o que era. Na escada para a casa do caseiro estava uma menina já crescida que parecia ter algum medo dos animais e que clamava bem alto para que os irmãos a ouvissem: “Tenham cuidado, não se exponham, olhem que podem apanhar um coice”. Os sapatos, que também falavam (eram sapatos irreais), disseram à Constancinha quem eram aqueles personagens: o Padrinho que era o Avô do Pai Avô; o Tio Mário, o tal rapaz falador; o Pai Avô aquele que estava a fazer qualquer coisa que não se percebia bem o que era e a Tia Nina a menina das escadas, cheia de cuidados com os irmãos. Mas a Constancinha que era muito curiosa não descansou enquanto não descobriu o que fazia o tal rapaz, que era o Pai Avô em novo. Debruçou-se muito da janela, agarrou-se bem ao peitoril, espreitou, espreitou, ia perdendo os sapatos, quase caiu, mas à última hora eles valeram-lhe, seguraram-na bem, e ela conseguiu descobrir. Aquele rapaz tinha um canivete na mão e um bocadinho de madeira de buxo e estava a fazer uma coisa linda: uma gazelinha com uma corrente, tudo duma peça só, que ele queria oferecer a uma menina de quem gostava muito e que naquela altura ainda andava longe, por outras terras do lado de lá da serra. Sabem quem era a menina? São capazes de adivinhar? Era a Avoínha que ainda era uma rapariga nova e estava em Nelas, também a pensar no Pai Avô. A gazelinha era aquela muito linda que a Avoínha tem muito bem guardada e que só mostra aos meninos para verem com os olhos, sem porem as mãos para não estragar.
A Constancinha gostou tanto desta história, que, no dia seguinte, sem ninguém ver, convidou o João Maria (o neto seguinte, a contar dos mais pequenos) para ir com ela “ter nova aventura”. Ele não se fez rogado, gostava tanto de aventuras e de disparates. Muito sorrateiros lá se dirigiram ao lagar. Desta vez cada um embarcou em seu sapato. Como os pezitos ainda eram pequenitos, funcionou muito bem, os dois pés dentro de cada sapato, eles de cócoras e toca a andar. A viagem no espaço foi um pouco maior, até ao quintal do lado de lá. A viagem no tempo foi mais pequena, também andaram para trás, mas só um pouco mais de um quarto de século.
Tantos meninos que brincavam nesse quintal. Quem seriam? Contaram-nos, com a ajuda dos sapatos maravilhosos, porque a Constancinha e o João Maria ainda se enganavam
a contar tanto: um, dois, três, … sete, oito nove! Havia um rapazito mais velho, era o Tio Mário Alexandre, andava a brincar sozinho, à procura de pássaros, sardaniscas, rãs e gafanhotos. Gostava muito de bichos, ainda hoje gosta. No cantinho da Avó Céu estavam várias meninas: a Tia Branca, a Tia São José, a Tia Luísa, a Tia Filipa e a Tia Leonor, ouviam-se as gargalhadas da Tia Branca e apurando bem o ouvido os pequenitos conseguiram perceber a conversa: estavam a combinar fazer uma ceia nocturna: pediam borrachões à Ti Maria, rebuçados à Avó Céu, apanhavam tomates no quintal para comer com sal e depois, de noite, iam ao frigorífico, havia lá sempre restos apetecíveis ( mal elas sabiam que era a Tia Nina que lá lhos deixava quando adivinhava que ia haver ceia ). Depois, a ceia era lá em cima, no terraço do quarto delas, todas em camisa de dormir, pareciam fadas. Mais adiante a passear na alameda dos buchos, de mão dada iam duas pequenitas, tinham apanhados florinhas, riam-se muito e por lá andavam, eram a Tia Sofia e a Tia Isabel, muito amigas, andavam sempre juntas.
Na varanda que dá para o quintal estavam os Avós: a Avó Céu e o Avô Oliveira e no meio deles o bercinho com o Tio Gonçalo. O Avô, com muito cuidado, agitava uma fralda para que as moscas não tocassem no menino e a Avó Céu chamava pela Tia Maria e pedia-lhe que preparasse a merenda para aqueles netos todos.
A Constancinha e o João Maria andavam agora muito inquietos, montados nos sapatos espreitavam por todos os lados, parecia que procuravam qualquer coisa. O que seria que eles queriam? Mais uma vez lhe valeram aqueles sapatos maravilhosos que até sabiam falar:
Não procurem meninos, não vale a pena, ainda é muito cedo, o Tio Vasco ainda pertence ao reino dos sonhos, só daqui a alguns anos irá nascer.
E estamos agora nos dias do tempo presente. Os netos todos da Avóinha, os dois da aventura e mais todos os outros, do mais pequeno ao maior: a Beatriz, o Pedro, o Vasco Maria, a Madalena, a Assunção, a Margarida, o Francisco, o António, a Inês e o Sebastião depois de ouvirem esta história, cada um à sua maneira e de acordo com a sua idade fizeram uma romagem ao sobrado do lagar, ao tal que parece a barriga da baleia.
E que foram lá fazer? Os mais pequenitos procurar os sapatos maravilhosos, que não conseguiram encontrar porque eles só existiam na imaginação da Avóinha e os maiores pensar em outras histórias do presente e do futuro, do Pedrógão, histórias que a Avóinha não consegue nem imaginar.
Mas o que todos encontraram e fica aqui transcrito para que possa perdurar por muitos anos na memória dos meninos foi uma mensagem da Avóinha para todos os netos, bisnetos e trinetos:
“Lembrem sempre os que vieram antes de vós, não se esqueçam que eles vos deram origem, vos educaram, gostaram muito de todos e vos deixaram estes recantos e estas memórias para que tal como os vossos Pais, Avós, Visavós e Trisavós os preservem, os alindem, os cuidem e os transmitam aos outros que vierem depois de vós.”
Pedrógão de S. Pedro, Agosto de 2006
Avóinha Sãozinha
A Avoínha vai contar uma história, muito secreta, com muita magia. É para ouvir com toda, toda a atenção e guardar lá bem dentro do coração. Tem fantasia e tem verdade e a mistura destas duas talvez nos vá dar felicidade.
A história passa-se no Pedrógão e começa no lagar, mais propriamente no sobrado do lagar, naquele sobrado muito grande, que parece a barriga da baleia que engoliu o Jonatas há muitos, muitos séculos, ainda no tempo do Antigo Testamento, antes de nascer o Jesus. Se calhar o Padrinho velhinho, que já era Avô do Pai Avô, quando mandou fazer o lagar com aquele sobrado tão grande estava a pensar no Jonatas e por isso mandou pôr todas aquelas traves e barrotes, que parecem as costelas da baleia e que seguram o telhado há tantos anos e com tanta força que ele não está ainda, nem um bocadinho torto.
Lá, nesse sobrado, existem muitas maravilhas velhinhas. São maravilhas porque todas têm uma história linda para contar. Às vezes é bom ir até lá e ouvi-las: A cadeira de ajoelhar (genuflexório) da Tia Cândida conta a sua história como quem diz uma grande lenga-lenga. É que durante a sua vida ouviu tantos Padre-Nossos e Ave-Marias que ainda continua com aquele jeito: Santa Maria Mãe de Deus … a Tia Cândida era tão minha amiga … rogai por nós pecadores … ajoelhava-se na minha almofadinha, apoiava os braços na minha cabeça … agora e na hora … o terço dela fazia-me cócegas … Ámen. E as histórias daquele arcaz que guardou tantas preciosidades dentro da sua barriga, nem digo nada, davam para escrever um livro …
Mas hoje vamos contar a história duma pequena maravilha que deve lá estar no sobrado muito escondida, tão escondida que só os olhos da imaginação a vêm e os ouvidos das recordações e da fantasia a ouvem.
São uns sapatos lindos, da cor do luar do Pedrógão nas noites de lua cheia e de milhares de estrelas, enfeitados com as penas das cegonhas que por lá passam há centenas de anos, com solas fortes, tão fortes e tão rijas como as pedras da aldeia e da cruz à porta da Igreja, que só a Tia Filipa conseguiu partir num dia de muita valentia, e têm musica, uma música muito suave feita do canto de rouxinóis, cucos, popas, papa-figos e chocalhos de rebanhos, – tudo sons do Pedrógão.
Estes sapatos têm poderes especiais, andam no espaço e no tempo. Sabem o que isto quer dizer? Como quaisquer sapatos vão aqui, vão ali e vão além, mas mais do que quaisquer outros vão a ontem, vão a hoje e vão a amanhã.
E lá vai a história que tem três partes: uma passada num ontem de há 50 anos, outra num ontem de há cerca de 35 anos e a última nos dias do tempo presente.
Um belo dia, a Constancinha que é a menina mais pequenina da família e que é um macaco trepador como a Mãe dela, a Tia Filipa, resolveu fazer uma escapada até ao sobrado do lagar. Ficou encantada com aquelas maravilhas! Mas os sapatos, ai, os sapatos deixaram-na deslumbrada … Num abrir e fechar de olhos enfiou-os nos pés e sentiu-se transportada no espaço e no tempo: a viagem no espaço foi pequena, só até uma das janelitas do sobrado que dão para o pátio grande, que antigamente se chamava picadeiro, mas a viagem no tempo foi muito maior e a andar para trás, cerca de meio século. E que viu ela da janelita do sobrado? Um senhor, já duma certa idade, muito direito com um cajado na mão e um chapéu à “mezantina” a olhar para os seus cavalos que brincavam no picadeiro: o Ring, lindo cavalo castanho dourado que tinha sido montado pela Conchita Citron, a Miss, que era muito mansa e se agachava para se deixar montar, e outros cavalos, e uma parelha de machos e no meio deles o Zé Ramos que era pequenito e que era o cocheiro. Ao pé do senhor estavam dois rapazes, um que falava muito e tinha ar de muito entendido e outro mais calado que fez festas aos cavalos e depois se empoleirou em cima duma mó junto à parede do lagar a fazer qualquer coisa que a Constancinha não conseguiu perceber o que era. Na escada para a casa do caseiro estava uma menina já crescida que parecia ter algum medo dos animais e que clamava bem alto para que os irmãos a ouvissem: “Tenham cuidado, não se exponham, olhem que podem apanhar um coice”. Os sapatos, que também falavam (eram sapatos irreais), disseram à Constancinha quem eram aqueles personagens: o Padrinho que era o Avô do Pai Avô; o Tio Mário, o tal rapaz falador; o Pai Avô aquele que estava a fazer qualquer coisa que não se percebia bem o que era e a Tia Nina a menina das escadas, cheia de cuidados com os irmãos. Mas a Constancinha que era muito curiosa não descansou enquanto não descobriu o que fazia o tal rapaz, que era o Pai Avô em novo. Debruçou-se muito da janela, agarrou-se bem ao peitoril, espreitou, espreitou, ia perdendo os sapatos, quase caiu, mas à última hora eles valeram-lhe, seguraram-na bem, e ela conseguiu descobrir. Aquele rapaz tinha um canivete na mão e um bocadinho de madeira de buxo e estava a fazer uma coisa linda: uma gazelinha com uma corrente, tudo duma peça só, que ele queria oferecer a uma menina de quem gostava muito e que naquela altura ainda andava longe, por outras terras do lado de lá da serra. Sabem quem era a menina? São capazes de adivinhar? Era a Avoínha que ainda era uma rapariga nova e estava em Nelas, também a pensar no Pai Avô. A gazelinha era aquela muito linda que a Avoínha tem muito bem guardada e que só mostra aos meninos para verem com os olhos, sem porem as mãos para não estragar.
A Constancinha gostou tanto desta história, que, no dia seguinte, sem ninguém ver, convidou o João Maria (o neto seguinte, a contar dos mais pequenos) para ir com ela “ter nova aventura”. Ele não se fez rogado, gostava tanto de aventuras e de disparates. Muito sorrateiros lá se dirigiram ao lagar. Desta vez cada um embarcou em seu sapato. Como os pezitos ainda eram pequenitos, funcionou muito bem, os dois pés dentro de cada sapato, eles de cócoras e toca a andar. A viagem no espaço foi um pouco maior, até ao quintal do lado de lá. A viagem no tempo foi mais pequena, também andaram para trás, mas só um pouco mais de um quarto de século.
Tantos meninos que brincavam nesse quintal. Quem seriam? Contaram-nos, com a ajuda dos sapatos maravilhosos, porque a Constancinha e o João Maria ainda se enganavam
a contar tanto: um, dois, três, … sete, oito nove! Havia um rapazito mais velho, era o Tio Mário Alexandre, andava a brincar sozinho, à procura de pássaros, sardaniscas, rãs e gafanhotos. Gostava muito de bichos, ainda hoje gosta. No cantinho da Avó Céu estavam várias meninas: a Tia Branca, a Tia São José, a Tia Luísa, a Tia Filipa e a Tia Leonor, ouviam-se as gargalhadas da Tia Branca e apurando bem o ouvido os pequenitos conseguiram perceber a conversa: estavam a combinar fazer uma ceia nocturna: pediam borrachões à Ti Maria, rebuçados à Avó Céu, apanhavam tomates no quintal para comer com sal e depois, de noite, iam ao frigorífico, havia lá sempre restos apetecíveis ( mal elas sabiam que era a Tia Nina que lá lhos deixava quando adivinhava que ia haver ceia ). Depois, a ceia era lá em cima, no terraço do quarto delas, todas em camisa de dormir, pareciam fadas. Mais adiante a passear na alameda dos buchos, de mão dada iam duas pequenitas, tinham apanhados florinhas, riam-se muito e por lá andavam, eram a Tia Sofia e a Tia Isabel, muito amigas, andavam sempre juntas.
Na varanda que dá para o quintal estavam os Avós: a Avó Céu e o Avô Oliveira e no meio deles o bercinho com o Tio Gonçalo. O Avô, com muito cuidado, agitava uma fralda para que as moscas não tocassem no menino e a Avó Céu chamava pela Tia Maria e pedia-lhe que preparasse a merenda para aqueles netos todos.
A Constancinha e o João Maria andavam agora muito inquietos, montados nos sapatos espreitavam por todos os lados, parecia que procuravam qualquer coisa. O que seria que eles queriam? Mais uma vez lhe valeram aqueles sapatos maravilhosos que até sabiam falar:
Não procurem meninos, não vale a pena, ainda é muito cedo, o Tio Vasco ainda pertence ao reino dos sonhos, só daqui a alguns anos irá nascer.
E estamos agora nos dias do tempo presente. Os netos todos da Avóinha, os dois da aventura e mais todos os outros, do mais pequeno ao maior: a Beatriz, o Pedro, o Vasco Maria, a Madalena, a Assunção, a Margarida, o Francisco, o António, a Inês e o Sebastião depois de ouvirem esta história, cada um à sua maneira e de acordo com a sua idade fizeram uma romagem ao sobrado do lagar, ao tal que parece a barriga da baleia.
E que foram lá fazer? Os mais pequenitos procurar os sapatos maravilhosos, que não conseguiram encontrar porque eles só existiam na imaginação da Avóinha e os maiores pensar em outras histórias do presente e do futuro, do Pedrógão, histórias que a Avóinha não consegue nem imaginar.
Mas o que todos encontraram e fica aqui transcrito para que possa perdurar por muitos anos na memória dos meninos foi uma mensagem da Avóinha para todos os netos, bisnetos e trinetos:
“Lembrem sempre os que vieram antes de vós, não se esqueçam que eles vos deram origem, vos educaram, gostaram muito de todos e vos deixaram estes recantos e estas memórias para que tal como os vossos Pais, Avós, Visavós e Trisavós os preservem, os alindem, os cuidem e os transmitam aos outros que vierem depois de vós.”
Pedrógão de S. Pedro, Agosto de 2006
Avóinha Sãozinha
História do menino "Dois Mil"
C O N T O S P A R A O S M EU S N E T OS
Dedicados ao Vasco Maria e ao
Pedro Maria porque nasceram no
ano 2000.
Avóínha Sãozinha
História do menino Dois Mil
Nas historias podemos imaginar tudo o que quisermos, até podemos imaginar que um ano é um menino, com braços, pernas, barriga, cabeça …
a pensar, a falar, a correr, a saltar, … a fazer disparates e também coisas acertadas.
Era uma vez um menino chamado “Dois Mil” . “Mil” o apelido e “Dois” o nome. E não era por acaso que ele se chamava assim. Além de ter nascido no ano 2000, chamava-se “Dois” por este número ser o pai de todos os números pares e também o primeiro número primo (parentesco complicado que fica para perceber mais tarde). E chamava-se “Mil” porque este é um número muito grande! Custa tanto contar até mil : 1, 2, 3, 4, 5, … , 99, 100, 101, … , 695, 696, 697, … , parece que nunca mais lá chegamos
… , mas quando chegamos não paramos: 1001, 1002, 1003 , … !!! Viva! Já sabemos tudo ! Já sabemos tudo !
O menino “Dois Mil” chegou a este mundo numa nave espacial e dentro duma máquina do tempo. Vinha de muito longe e de há muito tempo. Queria viver uma nova vida, nos dias de hoje, conhecer o mundo de agora. Para isso teve de esquecer as suas vidas antigas, começar tudo de novo.
Ficou tão admirado com o que viu neste mundo!
Coisas boas e más :
Alguns meninos desta Terra tinham Pai e Mãe, uma casa para viver, irmãos, amigos, brinquedos, mimos, comidinhas e calor … mas outros meninos não tinham nem Pai nem Mãe, nem carinho, nem doçura, só doenças, frio, fome, maus tratos …
Viu meninos da América do Norte, muito modernos, a brincarem com computadores, a comerem comidas “plásticas”, a terem tudo, até pistolas, com que às vezes magoavam muito os outros meninos.
Viu meninos da América do Sul a vadiarem pela rua, sem saberem quem eram os Pais, a viverem uns com os outros, a dormirem por qualquer lado a roubarem e às vezes a serem muito mal tratados por polícias.
Viu meninos de África, muitos estavam tristes, faltavam-lhes pernas e braços por causa da guerra e tinham a barriga grande porque estava vazia, cheia de ar e água, porque tinham fome.
Viu também meninos da Ásia, eram tantos, tantos, que não havia casa para todos, muitos dormiam no chão e também tinham fome.
Os meninos da Oceânia eram mais felizes, tinham mais campos, florestas, muita bicharada, viviam mais perto da Natureza; mas os de Timor estavam tristes porque lhes tinham estragado tudo, as cidades, as aldeias, as casas e até os brinquedos.
O nosso menino “Dois Mil” resolveu nascer na Europa, mais propriamente em Portugal. Escolheu uma barriga quentinha, numa mãe que não tinha fome, onde se sentiu muito bem, muito acarinhado por toda a família mesmo antes de nascer.
O nascimento foi formidável! É verdade que lhe custou um bocado, foi preciso fazer muita força, enfiar a cabecita numa passagem muito apertada … e depois ao chegar cá fora: respirar, sentir frio, sentir calor, abrir os olhos e os ouvidos. Tantas novidades … deixaram-no meio tonto. Sentiu saudades do berço quentinho e acolchoado onde tinha vivido aqueles nove meses.
Mas, depressa se adaptou. Agora via a cara da Mãe, sentia os beijinhos dela, ouvia-lhe a voz, embora ainda não entendesse o que ela dizia. E era tão bom. E via outra cara, outra pessoa que também lhe fazia muitos miminhos, a cara era mais rija às vezes até picava, a voz era mais grossa, as mãos mais fortes, mas continuava a ser tão bom.
E a Mãe dava-lhe de comer, leitinho muito bom que ele chupava com toda a força. De resto, foi a primeira coisa que aprendeu a fazer, chupar: era um artista, chupava tudo, a maminha da Mãe, as mãos, a chupeta, a roupa, tudo o que lhe aparecia na frente.
E tinha uma caminha muito linda e roupas maravilhosas, macias e quentinhas. E estava sempre sequinho, as fraldas eram muito boas e se fazia cócó mudavam-no logo e cheirava bem.
Enfim, costuma dizer-se que nasceu “em berço de ouro”, mas é mais certo se dissermos que nasceu em berço de AMOR.
Até aqui a nossa história é verdadeira. Estamos no ano 2000 e é tudo verdade o que a Avoínha contou.
Ah, sim, só o nome do Menino é que é inventado, mas isso está-se mesmo a ver.
E outra coisa: a nave espacial e a máquina do tempo, essas, para dizer a verdade, nem a Avoínha sabe se são a sério ou a brincar. Daqui a algum tempo talvez se possa saber. … O pior é que a Avoínha já não estará nesse tempo. Mas se for verdade, acredito que os meus netinhos me mandarão um correio expresso numa nave espacial e na máquina do tempo a dizer que afinal o menino “Dois Mil” podia ter chegado assim.
Daqui para diante tudo vai ser fantasia, ainda nem a Avoínha sabe o que vai acontecer ao menino “Dois Mil”, mas de certeza, vão acontecer coisas boas, porque é uma história inventada, e a gente só inventa o que quer , e a Avoínha só gosta de inventar coisas boas para os netos.
AVENTURA DO MENINO 2000
Cenário: Nelas – Casal de S. Miguel. Um dia de primavera: sol,
passarinhos, uma leve aragem, muitas flores no campo e
um cheirinho a plantas aromáticas, que era de endoidecer.
O menino “Dois Mil” saiu de casa de manhã cedo e foi passear. Tomou o pequeno almoço na vinha: uvas fresquinhas e figos de S. João a acompanhar.
Depois de comer e mal tinha dado meia dúzia de passos começou a ouvir um barulhito: frssst… frssst… frssst… O que seria ? Apurou bem o ouvido: frrsssst … frrsssst … frrsssst … Não via nada. Estava tudo tão sossegado. Olhou para o céu, só umas nuvens brancas lá ao longe. Não, não era de cima que vinha o barulho… Se calhar era do chão. .. Pschiu, lá se ouvia outra vez: frrsssst … frrsssst … frrsssst … Resolveu pôr-se de joelhos e encostar o ouvido à terra. E então ouviu com mais força : FRRSSSST … FRRSSSST … FRRSSSST …
Que maravilha, descobriu o que era! Um lagarto bem gordinho com a barriga a arrastar pelo chão! Quando andava fazia aquele barulho que tanto o estava a intrigar. Como tinha encostado a cabeça ao chão o menino “Dois Mil” estava mesmo muito perto do lagarto. Via-lhe os olhitos redondinhos, um bocadinho salientes, com um ar esperto, e aquela boca grande, até parecia que estava a rir … E estava mesmo! E o menino cheio de atenção ouviu o lagarto falar muito baixinho: “Dois Mil”, oh “Dois Mil”, não te assustes: eu sou um lagarto especial, tu também és um menino especial e por isso podemos falar.
O menino ficou muito admirado, não sabia que havia lagartos especiais e também não imaginava que ele era um menino especial, mas se o lagarto estava a falar e se ele ouvia, então realmente eram os dois - uma grande especialidade !!!
Ficaram logo amigos: deram um aperto de mão com pata e … toca a andar, tinham todo o dia para se conhecerem, para passearem e para aprenderem muitas coisas.
Foi o lagarto que decidiu onde haviam de ir passear. Ele já era velhote, conhecia bem aquelas terras e até já tinha dado muitos passeios com o Bisavô do menino, o Dr. Aurélio que era o médico lá da terra. Às vezes iam ver doentes, outras vezes passeavam pelas vinhas e outras por ali andavam porque o Dr. Aurélio gostava muito daquelas pessoas e daqueles lugares, falava com todos, perguntava-lhes pela saúde e pela família e guardava no coração aqueles campos, aquelas pedras, aqueles casebres, aquelas gentes...
Na verdade, o lagarto não falava com o Bisavô Aurélio, ele era um Senhor de respeito e os senhores de respeito não acreditam em lagartos que falam … Quando iam ver doentes ele ia muito sossegadinho no carro, debaixo do banco, e quando iam passear trepava-lhe pelas costas acima (era difícil porque o Bisavô era muito alto) e instalava-se no chapéu ( o Bisavô usava sempre chapéu ) e então era uma maravilha : via tudo lá de cima. Que novidades, ele que estava habituado a ver tudo rentinho ao chão.
E com esta conversa lá iam por aí fora o Menino “Dois Mil” e o lagarto.
Mas, afinal ainda não sei onde vamos disse o “Dois Mil”, já me começam a doer as perninhas, já passámos vinhas, batatais, caminhos, pinhais … começo a ficar cansado.
È verdade, que pateta eu sou, respondeu o lagarto, esquecia-me que tu és mais pesado que eu, custa-te a andar e ainda és pequenino. Olha vamos à “Pedra Lavrada” .Era a vinha de que o teu Bisavô mais gostava, fui lá com ele muitas vezes. Já não é longe, agora vamos passar a linha do comboio e depois é mais um bocadito e à chegada temos uma surpresa, um belo almoço para os dois. Já que somos especiais, também podemos fazer aparecer um almoço “especial”.
Oh lagarto, como é que tu te chamas ? disse de repente o Menino “Dois Mil”. Já somos tão amigos e só agora me lembrei de te perguntar o nome.
Ah, ah, ah … riu-se o lagarto, vai ser difícil explicar, mas como tu és um menino especial pode ser que compreendas: Sabes, tal como tu és um menino especial eu também sou um lagarto especial. Os outros, os meus irmãos, os meus familiares, não são capazes de falar nem de te ouvir, entendemo-nos, entre nós, mas, de outra maneira, que é só nossa. E… custa-me confessar-te, mas como somos amigos, lá vai: eu também não entendo os teus amigos, os teus familiares, só te entendo a ti. Nós, entre os lagartos, não temos nome, não precisamos de nos chamarmos, somos assim. Mas para ti eu posso ser o “Frrsssst”, foi o primeiro som que nos fez aproximar e que fez começar a nossa amizade.
Iupi! Iupi! disse o Menino “Dois Mil”, e que grande é a nossa amizade! Ela consegue ultrapassar, todas as nossas diferenças!
E com isto chegaram à linha do comboio. Pararam, apuraram o ouvido e ouviram ao longe o barulho do comboio (coisa curiosa: este barulho é entendido por todos os meninos e todos os lagartos, mesmo quando não são especiais). Tiveram um bocadinho de medo, encostaram-se um ao outro e esperaram muito quietinhos que o comboio passasse:
Vssst … Vssst … Pohoooooo … Pohoooooo …
E o lagarto disse ao menino: Quando eu aqui passava com o teu Bisavô o barulho era diferente:
Pouca-Terra … Pouca-Terra … Uuuuh … Uuuuh
Agora os comboios são eléctricos, antigamente eram a carvão e deitavam fumo. É a isto que a tua gente chama progresso. Para dizer a verdade, não percebo lá muito bem o que é isso do progresso… Como sou um lagarto especial e sou capaz de pensar, tenho pensado muito: Progresso, progresso … Quererá dizer pressa, corrida, velocidade ? … Os homens quererão fazer muito mais coisas no tempo que têm de Vida ? … O pior, é que a correr não dá para ver, para ouvir, para pensar … Deus queira que qualquer dia não se arrependam, e depois… pode ser tarde… Olha, “Dois Mil” quando tu fores grande hás-de explicar-me o que é o progresso, estou muito baralhado, também há-de ter coisas boas, pela certa …
E o Menino “Dois Mil” pensou que havia de estudar muito, para perceber bem o que era o progresso e como se deveria aproveitar. E depois havia de conversar com o Frrsssst, e tirar-lhe todas aquelas dúvidas. Ele bem merecia, estava a ensinar-lhe tantas coisas.
Por fim lá chegaram à “Pedra Lavrada”. È uma bela vinha com uvas muito boas e outras menos doces mas que são boas para fazer vinho. Também tem pinhal, muito sol, bons ares e muita água. Mas é preciso cuidado com os poços, o que vale é que o Frrsssst conhece-os todos e cuidadoso como é, não deixou o 2000 aproximar-se demais.
Mas brincaram no tanque, que parece que tem um tapete verde por cima,
(atenção que são plantinhas e por baixo é água, dizia o Frrsssst, com os seus cuidados). Até atiraram uma pedrinha pequenina para o meio do tanque, que fez saltar muitas primas do Frrsssst, eram as rãs, que fizeram uma coaxada enorme a dar-lhes as boavindas: Coax! Coax! Coax! Olá! Olá! Sejam benvindos!
E chegou a hora do almoço. E a grande surpresa era uma cestinha com os petiscos da Bisavó São José. Ela sabia fazer coisas muito boas, tinham fama os almoços do Casal de S. Miguel! Primeiro estenderam a toalha aos quadrados azuis e brancos, depois puseram uma pedrinha em cada canto para a não deixarem voar. E depois vieram as iguarias : Maionese muito enfeitada com cores lindas, Cabrito Assado, Empadas, Rissóis, Bolinhos de Bacalhau, Feijoada, Arroz à Valenciana. E os doces: Depressa e Bom, Ovos em Fio, Pastelinhos de Nelas, Salada de Fruta. Tantas coisas tão boas e muitas outras que a Bisavó São José sabia fazer … Comeram só um bocadinho pequenino de cada coisa para provarem e não apanharem uma indigestão. O “Frrsssst” que estava habituado a só comer bichitos pequenitos e crus ficou todo consolado, lambia a beiça e dizia : “Ainda bem que sou um lagarto especial, assim posso provar todas estas “especialidades”. E o Menino “Dois Mil” estava todo vaidoso porque as especialidades eram da sua Bisavó . Ele nunca a conheceu, mas conhecia-lhe os petiscos, os tapetes de Arraiolos, as toalhas de mesa, as colchas … e essas coisas eram bocadinhos dela que não se perderam no tempo.
Pronto, acabou-se a AVENTURA DO MENINO 2000. Já estamos todos cansados, a Avoínha e os netos. Se calhar, qualquer dia nascem mais netos e a Avoínha tem de começar a pensar em novas histórias para lhes dedicar…
Dedicados ao Vasco Maria e ao
Pedro Maria porque nasceram no
ano 2000.
Avóínha Sãozinha
História do menino Dois Mil
Nas historias podemos imaginar tudo o que quisermos, até podemos imaginar que um ano é um menino, com braços, pernas, barriga, cabeça …
a pensar, a falar, a correr, a saltar, … a fazer disparates e também coisas acertadas.
Era uma vez um menino chamado “Dois Mil” . “Mil” o apelido e “Dois” o nome. E não era por acaso que ele se chamava assim. Além de ter nascido no ano 2000, chamava-se “Dois” por este número ser o pai de todos os números pares e também o primeiro número primo (parentesco complicado que fica para perceber mais tarde). E chamava-se “Mil” porque este é um número muito grande! Custa tanto contar até mil : 1, 2, 3, 4, 5, … , 99, 100, 101, … , 695, 696, 697, … , parece que nunca mais lá chegamos
… , mas quando chegamos não paramos: 1001, 1002, 1003 , … !!! Viva! Já sabemos tudo ! Já sabemos tudo !
O menino “Dois Mil” chegou a este mundo numa nave espacial e dentro duma máquina do tempo. Vinha de muito longe e de há muito tempo. Queria viver uma nova vida, nos dias de hoje, conhecer o mundo de agora. Para isso teve de esquecer as suas vidas antigas, começar tudo de novo.
Ficou tão admirado com o que viu neste mundo!
Coisas boas e más :
Alguns meninos desta Terra tinham Pai e Mãe, uma casa para viver, irmãos, amigos, brinquedos, mimos, comidinhas e calor … mas outros meninos não tinham nem Pai nem Mãe, nem carinho, nem doçura, só doenças, frio, fome, maus tratos …
Viu meninos da América do Norte, muito modernos, a brincarem com computadores, a comerem comidas “plásticas”, a terem tudo, até pistolas, com que às vezes magoavam muito os outros meninos.
Viu meninos da América do Sul a vadiarem pela rua, sem saberem quem eram os Pais, a viverem uns com os outros, a dormirem por qualquer lado a roubarem e às vezes a serem muito mal tratados por polícias.
Viu meninos de África, muitos estavam tristes, faltavam-lhes pernas e braços por causa da guerra e tinham a barriga grande porque estava vazia, cheia de ar e água, porque tinham fome.
Viu também meninos da Ásia, eram tantos, tantos, que não havia casa para todos, muitos dormiam no chão e também tinham fome.
Os meninos da Oceânia eram mais felizes, tinham mais campos, florestas, muita bicharada, viviam mais perto da Natureza; mas os de Timor estavam tristes porque lhes tinham estragado tudo, as cidades, as aldeias, as casas e até os brinquedos.
O nosso menino “Dois Mil” resolveu nascer na Europa, mais propriamente em Portugal. Escolheu uma barriga quentinha, numa mãe que não tinha fome, onde se sentiu muito bem, muito acarinhado por toda a família mesmo antes de nascer.
O nascimento foi formidável! É verdade que lhe custou um bocado, foi preciso fazer muita força, enfiar a cabecita numa passagem muito apertada … e depois ao chegar cá fora: respirar, sentir frio, sentir calor, abrir os olhos e os ouvidos. Tantas novidades … deixaram-no meio tonto. Sentiu saudades do berço quentinho e acolchoado onde tinha vivido aqueles nove meses.
Mas, depressa se adaptou. Agora via a cara da Mãe, sentia os beijinhos dela, ouvia-lhe a voz, embora ainda não entendesse o que ela dizia. E era tão bom. E via outra cara, outra pessoa que também lhe fazia muitos miminhos, a cara era mais rija às vezes até picava, a voz era mais grossa, as mãos mais fortes, mas continuava a ser tão bom.
E a Mãe dava-lhe de comer, leitinho muito bom que ele chupava com toda a força. De resto, foi a primeira coisa que aprendeu a fazer, chupar: era um artista, chupava tudo, a maminha da Mãe, as mãos, a chupeta, a roupa, tudo o que lhe aparecia na frente.
E tinha uma caminha muito linda e roupas maravilhosas, macias e quentinhas. E estava sempre sequinho, as fraldas eram muito boas e se fazia cócó mudavam-no logo e cheirava bem.
Enfim, costuma dizer-se que nasceu “em berço de ouro”, mas é mais certo se dissermos que nasceu em berço de AMOR.
Até aqui a nossa história é verdadeira. Estamos no ano 2000 e é tudo verdade o que a Avoínha contou.
Ah, sim, só o nome do Menino é que é inventado, mas isso está-se mesmo a ver.
E outra coisa: a nave espacial e a máquina do tempo, essas, para dizer a verdade, nem a Avoínha sabe se são a sério ou a brincar. Daqui a algum tempo talvez se possa saber. … O pior é que a Avoínha já não estará nesse tempo. Mas se for verdade, acredito que os meus netinhos me mandarão um correio expresso numa nave espacial e na máquina do tempo a dizer que afinal o menino “Dois Mil” podia ter chegado assim.
Daqui para diante tudo vai ser fantasia, ainda nem a Avoínha sabe o que vai acontecer ao menino “Dois Mil”, mas de certeza, vão acontecer coisas boas, porque é uma história inventada, e a gente só inventa o que quer , e a Avoínha só gosta de inventar coisas boas para os netos.
AVENTURA DO MENINO 2000
Cenário: Nelas – Casal de S. Miguel. Um dia de primavera: sol,
passarinhos, uma leve aragem, muitas flores no campo e
um cheirinho a plantas aromáticas, que era de endoidecer.
O menino “Dois Mil” saiu de casa de manhã cedo e foi passear. Tomou o pequeno almoço na vinha: uvas fresquinhas e figos de S. João a acompanhar.
Depois de comer e mal tinha dado meia dúzia de passos começou a ouvir um barulhito: frssst… frssst… frssst… O que seria ? Apurou bem o ouvido: frrsssst … frrsssst … frrsssst … Não via nada. Estava tudo tão sossegado. Olhou para o céu, só umas nuvens brancas lá ao longe. Não, não era de cima que vinha o barulho… Se calhar era do chão. .. Pschiu, lá se ouvia outra vez: frrsssst … frrsssst … frrsssst … Resolveu pôr-se de joelhos e encostar o ouvido à terra. E então ouviu com mais força : FRRSSSST … FRRSSSST … FRRSSSST …
Que maravilha, descobriu o que era! Um lagarto bem gordinho com a barriga a arrastar pelo chão! Quando andava fazia aquele barulho que tanto o estava a intrigar. Como tinha encostado a cabeça ao chão o menino “Dois Mil” estava mesmo muito perto do lagarto. Via-lhe os olhitos redondinhos, um bocadinho salientes, com um ar esperto, e aquela boca grande, até parecia que estava a rir … E estava mesmo! E o menino cheio de atenção ouviu o lagarto falar muito baixinho: “Dois Mil”, oh “Dois Mil”, não te assustes: eu sou um lagarto especial, tu também és um menino especial e por isso podemos falar.
O menino ficou muito admirado, não sabia que havia lagartos especiais e também não imaginava que ele era um menino especial, mas se o lagarto estava a falar e se ele ouvia, então realmente eram os dois - uma grande especialidade !!!
Ficaram logo amigos: deram um aperto de mão com pata e … toca a andar, tinham todo o dia para se conhecerem, para passearem e para aprenderem muitas coisas.
Foi o lagarto que decidiu onde haviam de ir passear. Ele já era velhote, conhecia bem aquelas terras e até já tinha dado muitos passeios com o Bisavô do menino, o Dr. Aurélio que era o médico lá da terra. Às vezes iam ver doentes, outras vezes passeavam pelas vinhas e outras por ali andavam porque o Dr. Aurélio gostava muito daquelas pessoas e daqueles lugares, falava com todos, perguntava-lhes pela saúde e pela família e guardava no coração aqueles campos, aquelas pedras, aqueles casebres, aquelas gentes...
Na verdade, o lagarto não falava com o Bisavô Aurélio, ele era um Senhor de respeito e os senhores de respeito não acreditam em lagartos que falam … Quando iam ver doentes ele ia muito sossegadinho no carro, debaixo do banco, e quando iam passear trepava-lhe pelas costas acima (era difícil porque o Bisavô era muito alto) e instalava-se no chapéu ( o Bisavô usava sempre chapéu ) e então era uma maravilha : via tudo lá de cima. Que novidades, ele que estava habituado a ver tudo rentinho ao chão.
E com esta conversa lá iam por aí fora o Menino “Dois Mil” e o lagarto.
Mas, afinal ainda não sei onde vamos disse o “Dois Mil”, já me começam a doer as perninhas, já passámos vinhas, batatais, caminhos, pinhais … começo a ficar cansado.
È verdade, que pateta eu sou, respondeu o lagarto, esquecia-me que tu és mais pesado que eu, custa-te a andar e ainda és pequenino. Olha vamos à “Pedra Lavrada” .Era a vinha de que o teu Bisavô mais gostava, fui lá com ele muitas vezes. Já não é longe, agora vamos passar a linha do comboio e depois é mais um bocadito e à chegada temos uma surpresa, um belo almoço para os dois. Já que somos especiais, também podemos fazer aparecer um almoço “especial”.
Oh lagarto, como é que tu te chamas ? disse de repente o Menino “Dois Mil”. Já somos tão amigos e só agora me lembrei de te perguntar o nome.
Ah, ah, ah … riu-se o lagarto, vai ser difícil explicar, mas como tu és um menino especial pode ser que compreendas: Sabes, tal como tu és um menino especial eu também sou um lagarto especial. Os outros, os meus irmãos, os meus familiares, não são capazes de falar nem de te ouvir, entendemo-nos, entre nós, mas, de outra maneira, que é só nossa. E… custa-me confessar-te, mas como somos amigos, lá vai: eu também não entendo os teus amigos, os teus familiares, só te entendo a ti. Nós, entre os lagartos, não temos nome, não precisamos de nos chamarmos, somos assim. Mas para ti eu posso ser o “Frrsssst”, foi o primeiro som que nos fez aproximar e que fez começar a nossa amizade.
Iupi! Iupi! disse o Menino “Dois Mil”, e que grande é a nossa amizade! Ela consegue ultrapassar, todas as nossas diferenças!
E com isto chegaram à linha do comboio. Pararam, apuraram o ouvido e ouviram ao longe o barulho do comboio (coisa curiosa: este barulho é entendido por todos os meninos e todos os lagartos, mesmo quando não são especiais). Tiveram um bocadinho de medo, encostaram-se um ao outro e esperaram muito quietinhos que o comboio passasse:
Vssst … Vssst … Pohoooooo … Pohoooooo …
E o lagarto disse ao menino: Quando eu aqui passava com o teu Bisavô o barulho era diferente:
Pouca-Terra … Pouca-Terra … Uuuuh … Uuuuh
Agora os comboios são eléctricos, antigamente eram a carvão e deitavam fumo. É a isto que a tua gente chama progresso. Para dizer a verdade, não percebo lá muito bem o que é isso do progresso… Como sou um lagarto especial e sou capaz de pensar, tenho pensado muito: Progresso, progresso … Quererá dizer pressa, corrida, velocidade ? … Os homens quererão fazer muito mais coisas no tempo que têm de Vida ? … O pior, é que a correr não dá para ver, para ouvir, para pensar … Deus queira que qualquer dia não se arrependam, e depois… pode ser tarde… Olha, “Dois Mil” quando tu fores grande hás-de explicar-me o que é o progresso, estou muito baralhado, também há-de ter coisas boas, pela certa …
E o Menino “Dois Mil” pensou que havia de estudar muito, para perceber bem o que era o progresso e como se deveria aproveitar. E depois havia de conversar com o Frrsssst, e tirar-lhe todas aquelas dúvidas. Ele bem merecia, estava a ensinar-lhe tantas coisas.
Por fim lá chegaram à “Pedra Lavrada”. È uma bela vinha com uvas muito boas e outras menos doces mas que são boas para fazer vinho. Também tem pinhal, muito sol, bons ares e muita água. Mas é preciso cuidado com os poços, o que vale é que o Frrsssst conhece-os todos e cuidadoso como é, não deixou o 2000 aproximar-se demais.
Mas brincaram no tanque, que parece que tem um tapete verde por cima,
(atenção que são plantinhas e por baixo é água, dizia o Frrsssst, com os seus cuidados). Até atiraram uma pedrinha pequenina para o meio do tanque, que fez saltar muitas primas do Frrsssst, eram as rãs, que fizeram uma coaxada enorme a dar-lhes as boavindas: Coax! Coax! Coax! Olá! Olá! Sejam benvindos!
E chegou a hora do almoço. E a grande surpresa era uma cestinha com os petiscos da Bisavó São José. Ela sabia fazer coisas muito boas, tinham fama os almoços do Casal de S. Miguel! Primeiro estenderam a toalha aos quadrados azuis e brancos, depois puseram uma pedrinha em cada canto para a não deixarem voar. E depois vieram as iguarias : Maionese muito enfeitada com cores lindas, Cabrito Assado, Empadas, Rissóis, Bolinhos de Bacalhau, Feijoada, Arroz à Valenciana. E os doces: Depressa e Bom, Ovos em Fio, Pastelinhos de Nelas, Salada de Fruta. Tantas coisas tão boas e muitas outras que a Bisavó São José sabia fazer … Comeram só um bocadinho pequenino de cada coisa para provarem e não apanharem uma indigestão. O “Frrsssst” que estava habituado a só comer bichitos pequenitos e crus ficou todo consolado, lambia a beiça e dizia : “Ainda bem que sou um lagarto especial, assim posso provar todas estas “especialidades”. E o Menino “Dois Mil” estava todo vaidoso porque as especialidades eram da sua Bisavó . Ele nunca a conheceu, mas conhecia-lhe os petiscos, os tapetes de Arraiolos, as toalhas de mesa, as colchas … e essas coisas eram bocadinhos dela que não se perderam no tempo.
Pronto, acabou-se a AVENTURA DO MENINO 2000. Já estamos todos cansados, a Avoínha e os netos. Se calhar, qualquer dia nascem mais netos e a Avoínha tem de começar a pensar em novas histórias para lhes dedicar…
Os Natais da minha infância
OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
Agora, que tenho 12 netos, 65 anos e que começo a sentir a vida a escoar-se por entre os dedos das minhas mãos, quero, enquanto for capaz, deixar-lhes as minhas recordações.
Serra da Amoreira, Natal de 2002,
Avóinha Sãozinha
Fui sempre uma criança feliz. Senti-me sempre acarinhada e amada pela família e pelos que me rodeavam. Nunca tive fome nem frio, nem grandes desgostos. Era alegre, brincalhona, muito meiga e no geral bem sucedida naquilo em que me empenhava.
As minhas primeiras recordações de Natal, pelos 4 ou 5 anos, embora muito esfumadas, dão ainda para me lembrar do meu Avô, o Conde de Fijô, já doente, com uma bengala e a mexer-se com alguma dificuldade. Era muito meu amigo. De noite usava camisa de dormir e um barrete na cabeça.
Nessa altura o Natal passava-se em Paçô, S. João de Ver, próximo da Feira: A lareira da cozinha era muito grande, cabia lá debaixo um cadeirão em que o meu Avô se sentava e também me lembro do banquito em que eu gostava de me sentar. E lembro-me da Maria Couteira. Era velhota, usava saia rodada até aos pés e cozinhava num fogão de lenha que tinha um grande forno e que ficava, quando estávamos virados para a porta da rua, do lado direito, enquanto que a lareira era do lado esquerdo. A Maria Couteira deixava-me fazer cozinhados, nos meus caçoilos de barro, que a minha Mãe comprava na fábrica das panelas, que era lá perto da quinta. Tinha muitos, pequeninos, de todas as formas e feitios, que o oleiro (já não me lembro o nome dele) fazia, iguais aos grandes, para mim. Que bem me sabia a açorda e o arroz doce feito nos caçoilos e sobretudo a paciência da Maria Couteira a ajudar-me a fazer os meus petiscos. No Natal havia três mesas muito grandes lá em casa. Uma na sala de jantar com a família: muitos Tios ainda rapazes novos, a minha Mãe, o meu Pai, o Avozinho e a Avozinha. Não me lembro dos meus Tios já casados, o Tio Zé e o Tio António... se calhar não passavam lá o Natal. Outra mesa era na cozinha, em frente da lareira, também comprida, onde comia o pessoal, lembro-me sobretudo dum criado velhote, o Cardoso, que era o principal lá de casa, tinha uma barriga muito grande e o cinto a segurar-lhe as calças por baixo da barriga. Havia ainda outra mesa de pedra na rua, logo ao fundo das escadas da cozinha, aonde comiam os pobrezinhos que no dia de Natal apareciam ainda em maior número.
Depois o meu Avô morreu. Tinha eu 7 anos. E os Natais passaram a ser em Coimbra na Quinta do Espinheiro, onde agora é o Hospital da Universidade. Fazíamos sempre o Presépio em Nelas: era um Presépio grande com muitas figuras de barro, toscas, mas de muito encanto para mim. O Menino Jesus era feiinho, lembro-me de ter pena dele ser assim e de pensar que o Menino Jesus verdadeiro devia ser, de certeza, muito mais bonito. A cabana era sempre o caixote onde se guardavam as figuras, forrávamo-lo por dentro com papel prateado e por fora com musgo. Tinha três buraquitos, um no meio em cima e dois nos cantos atrás, era por onde enfiávamos três lâmpadas duma série de 18, lindíssimas, do feitio de bolas de bilhar e cada uma com uma bandeira pintada. Claro que no centro da cabana tínhamos sempre o cuidado de pôr a bandeira de Portugal e num dos cantos a bandeira brasileira. Lá longe, no sítio mais escondido, púnhamos a bandeira espanhola, porquê?, não sei, talvez, nessa altura, já andássemos às voltas com a História de Portugal. Aquelas luzes eram um luxo, nem o Presépio da Igreja de Nelas era tão bem iluminado. O Presépio fazia-se sempre na saleta, deve ter passado por todos os cantos e recantos que existiam Mas era sempre igual. As mesmas figuras (não sei porquê lembro-me especialmente da mulher a vender ovos sentada sobre os calcanhares), o castelo de papelão lá atrás donde saía uma estradita, feita de areia, por onde seguiam, muito solenemente, os três Reis Magos, o rio de papel prateado que tinha uma ponte de papelão e que descia por uma ribanceira a despenhar-se no lago que era um espelho que lá havia em casa, com moldura de prata, que, claro, ficava escondida debaixo do musgo. No lago punha-se um cisne, que não pertencia ao Presépio mas que lá ficava muito bem, porque para as crianças não contam as proporções. Chegou até a haver no tal lago uns peixes de plástico vermelhos, entusiasmo do Tio Zé António, embora contra a minha vontade, porque achava que os peixes não nadavam por cima da água..
Íamos sempre passar o Natal a Coimbra, mas às vezes só no dia de Natal de manhã, porque também me lembro de Consoadas passadas em Nelas. Numa delas até “vi” a asa do Menino Jesus a escapar-se pelo fogão da saleta. Foi numa daquelas consoadas em que a Avozinha morria e estalava para nos dar os presentes e não conseguia esperar até ao dia seguinte. Foi pôr os presentes nos sapatos e disse-nos: “Venham meninos, parece-me que oiço o barulho do Menino Jesus a descer pela chaminé.” Corremos a toda a pressa, eu à frente de todos e “vi” a asa do Menino Jesus, branquinha, com penas lindas a desaparecer pela chaminé. O meu Pai estava sentado a fazer paciências ao pé do fogão. Perguntei-lhe entusiasmadíssima: “Pai, Pai, viu o Menino Jesus?” “Não, Filha, estava aqui distraído com as cartas.” Que oportunidade o meu Pai perdeu!... Fiquei triste por ele.
O primeiro desgosto relacionado com o Natal tive-o aos 9 anos quando já interna no Colégio do Rosário no Porto, soube que afinal não era o Menino Jesus que trazia os presentes. À pergunta de uma Irmã: “O que é que vos deu o Menino Jesus?” Uma companheira “esperta” respondeu: “Ora, ora, sei muito bem que são os Pais”. Ainda quis não acreditar, mas as explicações da Irmã dizendo que o Menino Jesus é que dava saúde aos Pais para eles poderem ter dinheiro para comprar os presentes, desmoronaram o meu sonho tão bonito. Nessa noite, sozinha na cama, chorei.
Os Natais em Coimbra, eram um entusiasmo. Cada ano havia mais primos. Dormiam lá em casa os do Tio Alexandre, os do Tio Vasco, os do Tio Pedro, que durante muitos anos lá viveram, e nós. Os outros que viviam em Coimbra, os do Tio Zé, do Tio João e do Tio Manuel vinham jantar na noite de Natal e almoçar no dia seguinte. Só havia quatro mais velhos, depois éramos nós e depois muitos, muitos, cada vez mais pequenos.O meu preferido era o António, das Sete Fontes, sabia andar tão bem de biciclete! era meu amigo, dos mais velhos era o que me ligava mais. Havia um Tio que lhe chamava “Mil Diabos”, nunca percebi porquê, a minha Mãe dizia que ele era “um coração de ouro”. O reboliço era muito: as corridas pelo corredor adiante, até ao quarto do arco, a mesa redonda muito grande, na copa, onde se sentavam os primos todos, a sala de trabalho onde fazíamos muitas brincadeiras, a lâmpada que subia e descia e nós gostávamos de puxar, a braseira com uma armação de arame por cima, para secar fraldas e meias e aquele armário muito grande onde eu sonhei fazer uma casinha de bonecas, mas que estava sempre fechado. A cozinha com o fogão de lenha, os petiscos, o peru assado, a Alice a cozinhar,a minha Mãe a fazer as coisas mais delicadas, a Avozinha a dar ordens com o seu avental preto com grandes bolsos onde havia muitas chaves. A Casimirona, era assim que ela gostava que lhe chamassem, lembro-me dela sempre muito velha, um bocado rabugenta, mas muito amiga de todos. Já tinha sido criada da nossa Bisavó e até se lembrava do casamento da minha Avó e de ter criado todos aqueles “meninos”. Não se enfeitava a casa, não havia bolas douradas nem pinheiro de Natal. Só um centro de mesa com cheirinho a Natal, naquela mesa tão grande. Também não se fazia Presépio, porque havia um, antigo, dentro de um móvel, com paredes de vidro, com muitas figuras, muito bonitas, muito perfeitas mas onde não podíamos mexer. Estava na sala de tijolo, que era uma sala que estava sempre fechada, que tinha uma lareira que nunca me lembro de ter visto acesa e onde púnhamos os sapatos na noite de Natal. Lembro-me de uma vez o Tio Manuel ter posto uma bota de cano alto, da caça, dizia ele: “para ver se o Menino Jesus me dá mais presentes”. No dia seguinte tinha a bota cheia de nabos, cenouras e cebolas. Foi uma risota. De todos os Tios havia uma que era a minha preferida, aTia Né. Gostávamos muito dela, cheirava muito bem, tinha peles muito quentinhas e macias, tinha o cabelo louro, era muito bem posta, e até a nossa Avó fazia mais cerimónia com ela do que com as outras. Dava-nos presentes de que gostávamos imenso. Não posso esquecer tantos livros que me deu e me proporcionaram horas maravilhosas de sonho e aventuras:: “Histórias da D. Redonda e da Sua Gente”, “Emílio e os Detectives”, “Em Família”, “Sem Família”, “Os Esquimós”, “Os Lapões”, “Homens Brancos nos Trópicos”, “Ivanhoe”, “O Talismã”,”Fabíola”, etc., etc. Quando a Tia Né e o Tio António chegavam naquele carro que fazia muito barulho (era a gasogéneo), com malas bonitas, manta de viagem muito quentinha e cheios de embrulhos com presentes, era uma festa!
A missa do Galo era na Igreja de Santo António dos Olivais. Subíamos, a correr, aquele escadaria grande a espreitar as capelinhas que tinham cenas, com figuras em tamanho natural, parece-me que era a Via Sacra. A Igreja era pequena, tinha muita gente, muita luz, muitos cânticos. Tocava o sino. O Menino Jesus nasceu. Boas-Festas! Boas-Festas!
E depois a minha Avó morreu. Acabou-se a Quinta do Espinheiro. Nunca mais lá entrei e ainda hoje quando passo no sítio onde era a casa, olho para o outro lado. E também se acabaram os Natais da minha infância. Cresci. Todas estas recordações me ajudaram a crescer. Todas guardei no meu coração. Agora é com muito carinho e muito Amor que as partilho com os meus Netos e com os Filhos também, apesar de já serem crescidos.
Agora, que tenho 12 netos, 65 anos e que começo a sentir a vida a escoar-se por entre os dedos das minhas mãos, quero, enquanto for capaz, deixar-lhes as minhas recordações.
Serra da Amoreira, Natal de 2002,
Avóinha Sãozinha
Fui sempre uma criança feliz. Senti-me sempre acarinhada e amada pela família e pelos que me rodeavam. Nunca tive fome nem frio, nem grandes desgostos. Era alegre, brincalhona, muito meiga e no geral bem sucedida naquilo em que me empenhava.
As minhas primeiras recordações de Natal, pelos 4 ou 5 anos, embora muito esfumadas, dão ainda para me lembrar do meu Avô, o Conde de Fijô, já doente, com uma bengala e a mexer-se com alguma dificuldade. Era muito meu amigo. De noite usava camisa de dormir e um barrete na cabeça.
Nessa altura o Natal passava-se em Paçô, S. João de Ver, próximo da Feira: A lareira da cozinha era muito grande, cabia lá debaixo um cadeirão em que o meu Avô se sentava e também me lembro do banquito em que eu gostava de me sentar. E lembro-me da Maria Couteira. Era velhota, usava saia rodada até aos pés e cozinhava num fogão de lenha que tinha um grande forno e que ficava, quando estávamos virados para a porta da rua, do lado direito, enquanto que a lareira era do lado esquerdo. A Maria Couteira deixava-me fazer cozinhados, nos meus caçoilos de barro, que a minha Mãe comprava na fábrica das panelas, que era lá perto da quinta. Tinha muitos, pequeninos, de todas as formas e feitios, que o oleiro (já não me lembro o nome dele) fazia, iguais aos grandes, para mim. Que bem me sabia a açorda e o arroz doce feito nos caçoilos e sobretudo a paciência da Maria Couteira a ajudar-me a fazer os meus petiscos. No Natal havia três mesas muito grandes lá em casa. Uma na sala de jantar com a família: muitos Tios ainda rapazes novos, a minha Mãe, o meu Pai, o Avozinho e a Avozinha. Não me lembro dos meus Tios já casados, o Tio Zé e o Tio António... se calhar não passavam lá o Natal. Outra mesa era na cozinha, em frente da lareira, também comprida, onde comia o pessoal, lembro-me sobretudo dum criado velhote, o Cardoso, que era o principal lá de casa, tinha uma barriga muito grande e o cinto a segurar-lhe as calças por baixo da barriga. Havia ainda outra mesa de pedra na rua, logo ao fundo das escadas da cozinha, aonde comiam os pobrezinhos que no dia de Natal apareciam ainda em maior número.
Depois o meu Avô morreu. Tinha eu 7 anos. E os Natais passaram a ser em Coimbra na Quinta do Espinheiro, onde agora é o Hospital da Universidade. Fazíamos sempre o Presépio em Nelas: era um Presépio grande com muitas figuras de barro, toscas, mas de muito encanto para mim. O Menino Jesus era feiinho, lembro-me de ter pena dele ser assim e de pensar que o Menino Jesus verdadeiro devia ser, de certeza, muito mais bonito. A cabana era sempre o caixote onde se guardavam as figuras, forrávamo-lo por dentro com papel prateado e por fora com musgo. Tinha três buraquitos, um no meio em cima e dois nos cantos atrás, era por onde enfiávamos três lâmpadas duma série de 18, lindíssimas, do feitio de bolas de bilhar e cada uma com uma bandeira pintada. Claro que no centro da cabana tínhamos sempre o cuidado de pôr a bandeira de Portugal e num dos cantos a bandeira brasileira. Lá longe, no sítio mais escondido, púnhamos a bandeira espanhola, porquê?, não sei, talvez, nessa altura, já andássemos às voltas com a História de Portugal. Aquelas luzes eram um luxo, nem o Presépio da Igreja de Nelas era tão bem iluminado. O Presépio fazia-se sempre na saleta, deve ter passado por todos os cantos e recantos que existiam Mas era sempre igual. As mesmas figuras (não sei porquê lembro-me especialmente da mulher a vender ovos sentada sobre os calcanhares), o castelo de papelão lá atrás donde saía uma estradita, feita de areia, por onde seguiam, muito solenemente, os três Reis Magos, o rio de papel prateado que tinha uma ponte de papelão e que descia por uma ribanceira a despenhar-se no lago que era um espelho que lá havia em casa, com moldura de prata, que, claro, ficava escondida debaixo do musgo. No lago punha-se um cisne, que não pertencia ao Presépio mas que lá ficava muito bem, porque para as crianças não contam as proporções. Chegou até a haver no tal lago uns peixes de plástico vermelhos, entusiasmo do Tio Zé António, embora contra a minha vontade, porque achava que os peixes não nadavam por cima da água..
Íamos sempre passar o Natal a Coimbra, mas às vezes só no dia de Natal de manhã, porque também me lembro de Consoadas passadas em Nelas. Numa delas até “vi” a asa do Menino Jesus a escapar-se pelo fogão da saleta. Foi numa daquelas consoadas em que a Avozinha morria e estalava para nos dar os presentes e não conseguia esperar até ao dia seguinte. Foi pôr os presentes nos sapatos e disse-nos: “Venham meninos, parece-me que oiço o barulho do Menino Jesus a descer pela chaminé.” Corremos a toda a pressa, eu à frente de todos e “vi” a asa do Menino Jesus, branquinha, com penas lindas a desaparecer pela chaminé. O meu Pai estava sentado a fazer paciências ao pé do fogão. Perguntei-lhe entusiasmadíssima: “Pai, Pai, viu o Menino Jesus?” “Não, Filha, estava aqui distraído com as cartas.” Que oportunidade o meu Pai perdeu!... Fiquei triste por ele.
O primeiro desgosto relacionado com o Natal tive-o aos 9 anos quando já interna no Colégio do Rosário no Porto, soube que afinal não era o Menino Jesus que trazia os presentes. À pergunta de uma Irmã: “O que é que vos deu o Menino Jesus?” Uma companheira “esperta” respondeu: “Ora, ora, sei muito bem que são os Pais”. Ainda quis não acreditar, mas as explicações da Irmã dizendo que o Menino Jesus é que dava saúde aos Pais para eles poderem ter dinheiro para comprar os presentes, desmoronaram o meu sonho tão bonito. Nessa noite, sozinha na cama, chorei.
Os Natais em Coimbra, eram um entusiasmo. Cada ano havia mais primos. Dormiam lá em casa os do Tio Alexandre, os do Tio Vasco, os do Tio Pedro, que durante muitos anos lá viveram, e nós. Os outros que viviam em Coimbra, os do Tio Zé, do Tio João e do Tio Manuel vinham jantar na noite de Natal e almoçar no dia seguinte. Só havia quatro mais velhos, depois éramos nós e depois muitos, muitos, cada vez mais pequenos.O meu preferido era o António, das Sete Fontes, sabia andar tão bem de biciclete! era meu amigo, dos mais velhos era o que me ligava mais. Havia um Tio que lhe chamava “Mil Diabos”, nunca percebi porquê, a minha Mãe dizia que ele era “um coração de ouro”. O reboliço era muito: as corridas pelo corredor adiante, até ao quarto do arco, a mesa redonda muito grande, na copa, onde se sentavam os primos todos, a sala de trabalho onde fazíamos muitas brincadeiras, a lâmpada que subia e descia e nós gostávamos de puxar, a braseira com uma armação de arame por cima, para secar fraldas e meias e aquele armário muito grande onde eu sonhei fazer uma casinha de bonecas, mas que estava sempre fechado. A cozinha com o fogão de lenha, os petiscos, o peru assado, a Alice a cozinhar,a minha Mãe a fazer as coisas mais delicadas, a Avozinha a dar ordens com o seu avental preto com grandes bolsos onde havia muitas chaves. A Casimirona, era assim que ela gostava que lhe chamassem, lembro-me dela sempre muito velha, um bocado rabugenta, mas muito amiga de todos. Já tinha sido criada da nossa Bisavó e até se lembrava do casamento da minha Avó e de ter criado todos aqueles “meninos”. Não se enfeitava a casa, não havia bolas douradas nem pinheiro de Natal. Só um centro de mesa com cheirinho a Natal, naquela mesa tão grande. Também não se fazia Presépio, porque havia um, antigo, dentro de um móvel, com paredes de vidro, com muitas figuras, muito bonitas, muito perfeitas mas onde não podíamos mexer. Estava na sala de tijolo, que era uma sala que estava sempre fechada, que tinha uma lareira que nunca me lembro de ter visto acesa e onde púnhamos os sapatos na noite de Natal. Lembro-me de uma vez o Tio Manuel ter posto uma bota de cano alto, da caça, dizia ele: “para ver se o Menino Jesus me dá mais presentes”. No dia seguinte tinha a bota cheia de nabos, cenouras e cebolas. Foi uma risota. De todos os Tios havia uma que era a minha preferida, aTia Né. Gostávamos muito dela, cheirava muito bem, tinha peles muito quentinhas e macias, tinha o cabelo louro, era muito bem posta, e até a nossa Avó fazia mais cerimónia com ela do que com as outras. Dava-nos presentes de que gostávamos imenso. Não posso esquecer tantos livros que me deu e me proporcionaram horas maravilhosas de sonho e aventuras:: “Histórias da D. Redonda e da Sua Gente”, “Emílio e os Detectives”, “Em Família”, “Sem Família”, “Os Esquimós”, “Os Lapões”, “Homens Brancos nos Trópicos”, “Ivanhoe”, “O Talismã”,”Fabíola”, etc., etc. Quando a Tia Né e o Tio António chegavam naquele carro que fazia muito barulho (era a gasogéneo), com malas bonitas, manta de viagem muito quentinha e cheios de embrulhos com presentes, era uma festa!
A missa do Galo era na Igreja de Santo António dos Olivais. Subíamos, a correr, aquele escadaria grande a espreitar as capelinhas que tinham cenas, com figuras em tamanho natural, parece-me que era a Via Sacra. A Igreja era pequena, tinha muita gente, muita luz, muitos cânticos. Tocava o sino. O Menino Jesus nasceu. Boas-Festas! Boas-Festas!
E depois a minha Avó morreu. Acabou-se a Quinta do Espinheiro. Nunca mais lá entrei e ainda hoje quando passo no sítio onde era a casa, olho para o outro lado. E também se acabaram os Natais da minha infância. Cresci. Todas estas recordações me ajudaram a crescer. Todas guardei no meu coração. Agora é com muito carinho e muito Amor que as partilho com os meus Netos e com os Filhos também, apesar de já serem crescidos.
História do "Menino Palmadinha"
HISTÓRIA DO “MENINO PALMADINHA”
(Para a Margarida)
Era uma vez um menino que se portava muito mal e por isso todos lhe chamavam o “Menino Palmadinha”, (estava sempre a apanhar palmadas...)
A Mãe era a “Dona Palmadona” e o Pai o “Senhor Palmadão”.
O “Menino Palmadinha” fazia muitos disparates: entornava o leite, batia com a colher no prato, deixava os brinquedos todos desarrumados e às vezes até arranhava os amigos lá do Colégio.
Mas, um dia, demanhã, acordou muito contente e pensou: Não me volto a portar mal.
Levantou-se logo, lavou-se, vestiu-se, comeu as papinhas todas e lavou os dentes.
A “Dona Palmadona” e o “Senhor Palmadão” ficaram encantados. O “Senhor Palmadão”, com a sua voz grossa, disse: “Oh “Palmadinha” vamos para o Colégio, hoje estás mesmo um amor”. Cantaram toda a viagem e chegaram ao Colégio muito contentes.
No Colégio todos se espantaram: o “Palmadinha portou-se bem, brincou com os amigos e até fez pinturas e colagens mujto bonitas.
Ao regressar a casa com a “Dona Palmadona”, dizia ela na sua vózinha doce: “Vais ajudar a mâe a fazer o jantar e depois toca a papar”! E assim foi.
Ao ir para a cama, o menino estava tão contente de se ter portado bem e os Pais também, que resolveram todos mudar de nome. O menino passou a ser o Menino ”Beijinhos”, a Mãe “Beijoca” e o Pai “Xi-Coração”.
A minha neta Margarida também é uma menina “Beijinhos”
Maria da Assunção Ferraz de Oliveira
Serra da Amoreira, 27 de Janeiro de 1996
(Para a Margarida)
Era uma vez um menino que se portava muito mal e por isso todos lhe chamavam o “Menino Palmadinha”, (estava sempre a apanhar palmadas...)
A Mãe era a “Dona Palmadona” e o Pai o “Senhor Palmadão”.
O “Menino Palmadinha” fazia muitos disparates: entornava o leite, batia com a colher no prato, deixava os brinquedos todos desarrumados e às vezes até arranhava os amigos lá do Colégio.
Mas, um dia, demanhã, acordou muito contente e pensou: Não me volto a portar mal.
Levantou-se logo, lavou-se, vestiu-se, comeu as papinhas todas e lavou os dentes.
A “Dona Palmadona” e o “Senhor Palmadão” ficaram encantados. O “Senhor Palmadão”, com a sua voz grossa, disse: “Oh “Palmadinha” vamos para o Colégio, hoje estás mesmo um amor”. Cantaram toda a viagem e chegaram ao Colégio muito contentes.
No Colégio todos se espantaram: o “Palmadinha portou-se bem, brincou com os amigos e até fez pinturas e colagens mujto bonitas.
Ao regressar a casa com a “Dona Palmadona”, dizia ela na sua vózinha doce: “Vais ajudar a mâe a fazer o jantar e depois toca a papar”! E assim foi.
Ao ir para a cama, o menino estava tão contente de se ter portado bem e os Pais também, que resolveram todos mudar de nome. O menino passou a ser o Menino ”Beijinhos”, a Mãe “Beijoca” e o Pai “Xi-Coração”.
A minha neta Margarida também é uma menina “Beijinhos”
Maria da Assunção Ferraz de Oliveira
Serra da Amoreira, 27 de Janeiro de 1996
segunda-feira, 27 de julho de 2009
A VELHINHA E..."O MALMIQUER"
A velhinha e … o “malmiquer”
Enquanto eu viver…
A D. Ivone não vou esquecer!
Num quarto de hospital
Uma velhinha sofria.
Eu, ali, na outra cama,
Ouvia e ajudava quanto podia...
“Não tenho ninguém,
Que me possa fazer bem…”
Uma queda desastrada,
Colo do fémur partido...
Era a velhinha operada,
Com tudo, tudo, dorido…
“Ai,vou morrer… vou morrer…
Assim não posso viver…”
“Que há-de ser de mim, assim?
Sozinha… e sem andar…
Tenho um cansaço sem fim,
Sem ninguém p´ra me ajudar…”
O filho, já idoso e rude,
Ora a beijava e acarinhava,
Ora ralhava e implicava:
“Coma mais, vá… beba mais,
Não pense nisso, não se pode ralar…”
…E a velhinha a pensar… a pensar
A assistente social
Na missão de a visitar,
Veio oferecer-lhe uma flor,
Flor de Esperança, flor de Amor,
Geriberia de encantar!
Mas a velhinha sofrida,
Já tão distante da vida,
Não podia acreditar...
Quando a visita saiu,
A velhinha sorriu
E disse: “É para si o malmiquer.”
“Não… não… faz-lhe companhia.”
Ela sorria e dizia: “Não o quer?”
Trouxe comigo a flor,
Que bonita, tanta cor!
Numa jarra, na sala de jantar,
Parecia estar a brilhar!
Tão viçosa! Tão airosa!
O tempo a passar…
E ela sem murchar!
Dias depois, quando a fui visitar...
A velhinha já não era, no seu lugar…
Disseram-me que embarcou
No barco da eternidade!
O barco, com asas, voou,
E assim ela passou…
Deixando, em mim, saudade!...
O “malmiquer”, na sala de jantar,
Continuou a brilhar!
A velhinha lá no céu não morreu…
No meu coração… renasceu!
Serra da Amoreira, Julho de 2009
Para a minha neta Inês, que em breve será médica e que certamente irá encontrar muitas velhinhas tristes e doentes como a da Avóinha, aí fica esta reflexão
Avóinha Sãozinha
Enquanto eu viver…
A D. Ivone não vou esquecer!
Num quarto de hospital
Uma velhinha sofria.
Eu, ali, na outra cama,
Ouvia e ajudava quanto podia...
“Não tenho ninguém,
Que me possa fazer bem…”
Uma queda desastrada,
Colo do fémur partido...
Era a velhinha operada,
Com tudo, tudo, dorido…
“Ai,vou morrer… vou morrer…
Assim não posso viver…”
“Que há-de ser de mim, assim?
Sozinha… e sem andar…
Tenho um cansaço sem fim,
Sem ninguém p´ra me ajudar…”
O filho, já idoso e rude,
Ora a beijava e acarinhava,
Ora ralhava e implicava:
“Coma mais, vá… beba mais,
Não pense nisso, não se pode ralar…”
…E a velhinha a pensar… a pensar
A assistente social
Na missão de a visitar,
Veio oferecer-lhe uma flor,
Flor de Esperança, flor de Amor,
Geriberia de encantar!
Mas a velhinha sofrida,
Já tão distante da vida,
Não podia acreditar...
Quando a visita saiu,
A velhinha sorriu
E disse: “É para si o malmiquer.”
“Não… não… faz-lhe companhia.”
Ela sorria e dizia: “Não o quer?”
Trouxe comigo a flor,
Que bonita, tanta cor!
Numa jarra, na sala de jantar,
Parecia estar a brilhar!
Tão viçosa! Tão airosa!
O tempo a passar…
E ela sem murchar!
Dias depois, quando a fui visitar...
A velhinha já não era, no seu lugar…
Disseram-me que embarcou
No barco da eternidade!
O barco, com asas, voou,
E assim ela passou…
Deixando, em mim, saudade!...
O “malmiquer”, na sala de jantar,
Continuou a brilhar!
A velhinha lá no céu não morreu…
No meu coração… renasceu!
Serra da Amoreira, Julho de 2009
Para a minha neta Inês, que em breve será médica e que certamente irá encontrar muitas velhinhas tristes e doentes como a da Avóinha, aí fica esta reflexão
Avóinha Sãozinha
quarta-feira, 15 de abril de 2009
História para procurar os ovos da Páscoa
Era uma vez
Uma pata Mãe
Comia e bebia
E dormia bem.
Tratava os filhinhos
Com muitos carinhos;
Se o Sol sorria
Era uma alegria!
E, se chovia...
Que sensação,
Tudo patinhava
E caía no chão!
De bolas de lama
Faziam a cama
E de papo pr´o ar
Toca a ressonar...
Eram dez os patitos,
Tão engraçados,
A Mãe tocava o apito,
E todos desengonçados,
Lá iam em fila
Bem alinhados!
Atenção! Muita atenção!
À frente vem o João,
Depois o Zé e o Salomão
De botas na mão!
Agora uma menina,
Que rabina, é a Carolina.
A seguir a Joana,
Outra mana que não engana,
A conversar com o Baltasar,
Ambos de rabinho a dar, a dar...
E o Aniceto, que não para quieto,
É um pato tão esperto!
Já só faltam três,
Cada um de sua vez,
Esta é a Maria Inês
Sempre a falar francês,
O Zé Renato Carrapato
A miar como um gato,
E mesmo no fim
Lá vem o Joaquim,
Tão constipado – Atchim! Atchim
A pata Mãe,
Toda encantada,
Desfaz-se em ovos
Para a pequenada!
De chocolate, são os tais,
Azuis e dourados,
Nenhuns iguais.
Há-os encarnados
Às riscas amarelas,
Cor de salmão
Com pintas ou sem elas,
Que grande confusão!
E os patinhos,
Entusiasmados
Empurram os ovos
Sem cuidados...
Escondem-nos sem querer
E sem ninguém ver:
Na horta, no quintal,
No jardim, no matagal,
Atrás de um muro,
Junto de um furo,
Debaixo duma flor,
Ou dentro dum regador!
No fim, já cansados,
Fogem os coitados.
A pata também abalou,
E ninguém ficou
Para nos contar
Onde os ovos ir buscar,
Por isso meninos:
TOCA A PROCURAR!
Páscoa de 2008
Para os netos Madalena, Vasco, Pedro, Beatriz, João e Constança e para os sobrinhos Duarte,Tomás e Henrique da
Avóinha Sãozinha
Uma pata Mãe
Comia e bebia
E dormia bem.
Tratava os filhinhos
Com muitos carinhos;
Se o Sol sorria
Era uma alegria!
E, se chovia...
Que sensação,
Tudo patinhava
E caía no chão!
De bolas de lama
Faziam a cama
E de papo pr´o ar
Toca a ressonar...
Eram dez os patitos,
Tão engraçados,
A Mãe tocava o apito,
E todos desengonçados,
Lá iam em fila
Bem alinhados!
Atenção! Muita atenção!
À frente vem o João,
Depois o Zé e o Salomão
De botas na mão!
Agora uma menina,
Que rabina, é a Carolina.
A seguir a Joana,
Outra mana que não engana,
A conversar com o Baltasar,
Ambos de rabinho a dar, a dar...
E o Aniceto, que não para quieto,
É um pato tão esperto!
Já só faltam três,
Cada um de sua vez,
Esta é a Maria Inês
Sempre a falar francês,
O Zé Renato Carrapato
A miar como um gato,
E mesmo no fim
Lá vem o Joaquim,
Tão constipado – Atchim! Atchim
A pata Mãe,
Toda encantada,
Desfaz-se em ovos
Para a pequenada!
De chocolate, são os tais,
Azuis e dourados,
Nenhuns iguais.
Há-os encarnados
Às riscas amarelas,
Cor de salmão
Com pintas ou sem elas,
Que grande confusão!
E os patinhos,
Entusiasmados
Empurram os ovos
Sem cuidados...
Escondem-nos sem querer
E sem ninguém ver:
Na horta, no quintal,
No jardim, no matagal,
Atrás de um muro,
Junto de um furo,
Debaixo duma flor,
Ou dentro dum regador!
No fim, já cansados,
Fogem os coitados.
A pata também abalou,
E ninguém ficou
Para nos contar
Onde os ovos ir buscar,
Por isso meninos:
TOCA A PROCURAR!
Páscoa de 2008
Para os netos Madalena, Vasco, Pedro, Beatriz, João e Constança e para os sobrinhos Duarte,Tomás e Henrique da
Avóinha Sãozinha
segunda-feira, 23 de março de 2009
E O COMBOIO LÁ VAI... E NÓS TAMBÉM:::
E O COMBOIO LÁ VAI... E NÓS TAMBÉM ...
Pouca-terra... Pouca-terra... Uhhh... Uhhh...
Pouca-terra... Pouca-terra... Uhhhhh...
Era assim que os comboios cantavam quando eu era pequenina.
Agora a cantiga é outra, mas também é bonita:
Vum... Vum... Tra...tará... Tra...tará...Tratá...
Vum... Vum... Vum... Tratá-Tratá... Vum... Vum... Tratará...
Quando eu era pequenina andava muito de comboio, agora, os menjnos quase não andam de comboio.. É pena, porque é muito bom andar de comboio.
Os comboios têm janelas grandes. Olhamos através delas e vimos os campos, os rios, as aldeias, as cidades, o céu e as nuvens. E quando os comboios não são de alta velocidade dá até para ver coisas mais pequeninas, como rebanhos, cavalos com os seus potros, vaquinhas a pastar, homens de biciclete pelos caminhos, barquitos a vapor nos rios e cegonhas e os seus ninhos na torre das igrejas e nos cabos de alta tensão.
Os comboios andam sempre pelos mesmos caminhos, as linhas do comboio, chamam-se caminhos de ferro, cantam sempre as mesmas cantigas, mas no seu cirandar há sempre coisas novas a descobrir.
Dentro dos comboios os salões das carruagens são grandes, têm muitos lugares e o tempo das carruagens corre mais devagar do que o tempo da rua. Dá para olhar para os nossos companheiros de viagem. Há pessoas grandes a conversar, uma avó a falar com o neto, um rapaz a jogar no telemóvel, lá no canto um senhor a trabalhar no seu computador, pessoas a ler, outras a dormir...
Às vezes apetece conversar com os vizinhos. Quando eu era pequenina metia conversa com toda a gente, mas agora, não dá jeito, nós, as pessoas grandes somos envergonhadas, só metemos conversa quando sentimos que outro qualquer está também cheio de vontade de falar connosco.
Parece-me que já descobriram que, eu, neste mesmo momento, estou a fazer uma viagem de comboio e que tinha muita vontade de comunicar com os meus netos. Como o não posso fazer directamente vou tentar escrever e guardar estas memórias para poderem ler mais tarde. Abana um bocadito, a letra fica feia, mas consigo.
A minha viagem é de Lisboa para Castelo Branco. O comboio é regional, dos que andam devagar e dão tempo para apreciar tudo.
Na estação de Santarem, que é muito bonita, com azulejos antigos, entraram no comboio muitos meninos, uns 50, deviam ser de um jardim escola e vinham com algumas educadoras. Quando entraram o ambiente mudou, deixaram de se ouvir as pessoas grandes, só se ouvia a “chilreada” dos meninos e por vezes as educadoras a mandá-los calar. Curiosamente, eu fiquei mais alegre, diverti-me a olhar para os meninos, a vê-los levantar, sentar, gesticular, olhar pelas janelas e “chilrear”... “chilrear”... “chilrear”...
Duas estações adiante saíram. Foi um reboliço, mas mal desciam do comboio rapidamente se organizavam em filas de dois, de mãos dadas, com as educadoras a orientar. Foi com pena que lhes disse adeus da janela. E as pessoas grandes comentaram: “Que sossego! Mas fazem falta!...”
Fiquei a pensar que estes meninos tiveram sorte, por terem a experiência duma viagem de comboio.
E pensei nos meus netos, nos netos de sangue e nos outros que eu não conheço mas que também são meus netos porque escrevo para eles e porque gosto de partilhar com eles estes momentos bons e estas alegrias. Gostava que todos fizessem uma viagem de comboio e reparassem nestas coisas bonitas que só se descobrem quando o tempo passa devagar.
E a minha viagem continuou... e eu tirei mais algumas notas:
Castelo de Almourol e a seguir sempre o rio Tejo, à minha direita. Algumas ilhotas, árvores, vegetação até à beira da água, um caminho suspenso, de madeira, que continua por aí fora, que depois já não é suspenso, mas lá vai... Castelo de Belver, mais árvores, muitas oliveiras, mais vegetação até mergulhar no rio.
E o comboio lá vai... Vum... Vum... Tra...tará... Tra...tará...Tratá...
sempre a par com o rio, até parecer, por vezes, quase cair nele. Algumas paragens, rio, pedras, casas em ruínas, uma truta a saltar na água e não se vê ninguém. Para onde irão as poucas pessoas que saiem do comboio?
Barragem do Fratel. O rio agora parece um lago, é mais largo e tem mais água, dois ou três barquitos, mas o mesmo sossego e quase a mesma solidão. Mais adiante as portas do Ródão: dois montes que chegam até ao rio e o fazem ficar mais estreito para se poder escapar por entre eles, é a força da natureza!
Ródão, uma terra grande, muitas casas, fábricas, armazens e a dominar a paisagem a gigantesca construção em ferro e alumínio que é a fábrica do papel.
Adeus rio. A viagem segue pelo meio dos campos. Estamos quase a chegar a Castelo Branco e a paisagem muda: estradas, automóveis, casas, muitas casas, barulho e movimento...
E as minhas notas acabam. Fico com um desejo no coração: Fazer esta viagem com os meus netos e pedir aos Avós dos netos que não conheço que os convidem e façam com eles uma qualquer viagem de comboio, no nosso Portugal, e que com eles descubram a maravilha das nossas paisagens e o prazer de deixar correr o tempo devagar.
Linha da Beira Baixa, 13 de Março de 2009
Maria da Assunção Ferraz de Oliveira
(Avóinha Sãozinha)
Pouca-terra... Pouca-terra... Uhhh... Uhhh...
Pouca-terra... Pouca-terra... Uhhhhh...
Era assim que os comboios cantavam quando eu era pequenina.
Agora a cantiga é outra, mas também é bonita:
Vum... Vum... Tra...tará... Tra...tará...Tratá...
Vum... Vum... Vum... Tratá-Tratá... Vum... Vum... Tratará...
Quando eu era pequenina andava muito de comboio, agora, os menjnos quase não andam de comboio.. É pena, porque é muito bom andar de comboio.
Os comboios têm janelas grandes. Olhamos através delas e vimos os campos, os rios, as aldeias, as cidades, o céu e as nuvens. E quando os comboios não são de alta velocidade dá até para ver coisas mais pequeninas, como rebanhos, cavalos com os seus potros, vaquinhas a pastar, homens de biciclete pelos caminhos, barquitos a vapor nos rios e cegonhas e os seus ninhos na torre das igrejas e nos cabos de alta tensão.
Os comboios andam sempre pelos mesmos caminhos, as linhas do comboio, chamam-se caminhos de ferro, cantam sempre as mesmas cantigas, mas no seu cirandar há sempre coisas novas a descobrir.
Dentro dos comboios os salões das carruagens são grandes, têm muitos lugares e o tempo das carruagens corre mais devagar do que o tempo da rua. Dá para olhar para os nossos companheiros de viagem. Há pessoas grandes a conversar, uma avó a falar com o neto, um rapaz a jogar no telemóvel, lá no canto um senhor a trabalhar no seu computador, pessoas a ler, outras a dormir...
Às vezes apetece conversar com os vizinhos. Quando eu era pequenina metia conversa com toda a gente, mas agora, não dá jeito, nós, as pessoas grandes somos envergonhadas, só metemos conversa quando sentimos que outro qualquer está também cheio de vontade de falar connosco.
Parece-me que já descobriram que, eu, neste mesmo momento, estou a fazer uma viagem de comboio e que tinha muita vontade de comunicar com os meus netos. Como o não posso fazer directamente vou tentar escrever e guardar estas memórias para poderem ler mais tarde. Abana um bocadito, a letra fica feia, mas consigo.
A minha viagem é de Lisboa para Castelo Branco. O comboio é regional, dos que andam devagar e dão tempo para apreciar tudo.
Na estação de Santarem, que é muito bonita, com azulejos antigos, entraram no comboio muitos meninos, uns 50, deviam ser de um jardim escola e vinham com algumas educadoras. Quando entraram o ambiente mudou, deixaram de se ouvir as pessoas grandes, só se ouvia a “chilreada” dos meninos e por vezes as educadoras a mandá-los calar. Curiosamente, eu fiquei mais alegre, diverti-me a olhar para os meninos, a vê-los levantar, sentar, gesticular, olhar pelas janelas e “chilrear”... “chilrear”... “chilrear”...
Duas estações adiante saíram. Foi um reboliço, mas mal desciam do comboio rapidamente se organizavam em filas de dois, de mãos dadas, com as educadoras a orientar. Foi com pena que lhes disse adeus da janela. E as pessoas grandes comentaram: “Que sossego! Mas fazem falta!...”
Fiquei a pensar que estes meninos tiveram sorte, por terem a experiência duma viagem de comboio.
E pensei nos meus netos, nos netos de sangue e nos outros que eu não conheço mas que também são meus netos porque escrevo para eles e porque gosto de partilhar com eles estes momentos bons e estas alegrias. Gostava que todos fizessem uma viagem de comboio e reparassem nestas coisas bonitas que só se descobrem quando o tempo passa devagar.
E a minha viagem continuou... e eu tirei mais algumas notas:
Castelo de Almourol e a seguir sempre o rio Tejo, à minha direita. Algumas ilhotas, árvores, vegetação até à beira da água, um caminho suspenso, de madeira, que continua por aí fora, que depois já não é suspenso, mas lá vai... Castelo de Belver, mais árvores, muitas oliveiras, mais vegetação até mergulhar no rio.
E o comboio lá vai... Vum... Vum... Tra...tará... Tra...tará...Tratá...
sempre a par com o rio, até parecer, por vezes, quase cair nele. Algumas paragens, rio, pedras, casas em ruínas, uma truta a saltar na água e não se vê ninguém. Para onde irão as poucas pessoas que saiem do comboio?
Barragem do Fratel. O rio agora parece um lago, é mais largo e tem mais água, dois ou três barquitos, mas o mesmo sossego e quase a mesma solidão. Mais adiante as portas do Ródão: dois montes que chegam até ao rio e o fazem ficar mais estreito para se poder escapar por entre eles, é a força da natureza!
Ródão, uma terra grande, muitas casas, fábricas, armazens e a dominar a paisagem a gigantesca construção em ferro e alumínio que é a fábrica do papel.
Adeus rio. A viagem segue pelo meio dos campos. Estamos quase a chegar a Castelo Branco e a paisagem muda: estradas, automóveis, casas, muitas casas, barulho e movimento...
E as minhas notas acabam. Fico com um desejo no coração: Fazer esta viagem com os meus netos e pedir aos Avós dos netos que não conheço que os convidem e façam com eles uma qualquer viagem de comboio, no nosso Portugal, e que com eles descubram a maravilha das nossas paisagens e o prazer de deixar correr o tempo devagar.
Linha da Beira Baixa, 13 de Março de 2009
Maria da Assunção Ferraz de Oliveira
(Avóinha Sãozinha)
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