quinta-feira, 30 de julho de 2009

A bailarina e a ventoinha

HISTÓRIA PARA A PÁSCOA

Está frio, está a chover, quase a nevar.
E estamos na Páscoa e na Páscoa costuma estar sol e bom tempo, mas este ano não é assim. Os anos não são todos iguais. As pessoas também não são todas iguais e até a mesma pessoa muda conforme os dias, os locais, os amigos que tem à volta. Às vezes estamos tristes, outras alegres, outras cansados, outras cheios de energias.
Eu estou à lareira no Pedrógão. Não estou cansada, nem triste nem alegre, estou sozinha e com alguma energia. Quero escrever a história da Páscoa para os meus netos e para outros meninos se a quiserem ouvir. Numa Páscoa fria não há patas a voar mas tem de haver ovos para procurar no jardim…
As labaredas da lareira parecem bailarinas a dançar e às vezes há uns estalidos e saem muitas luzinhas vermelhas, é mesmo lindo… Irradia calor a lareira e o calor é bom agora no tempo frio, no verão não, gostamos mais de ventoinhas, embora eu não consiga descobrir nas ventoinhas nenhuma poesia.
Que bom! Agarrei a história, já tenho nome para ela e começo a ter ideias para a compor:

A BAILARINA E A VENTOÍNHA

Era uma vez uma menina chamada Margarida. Nasceu muito pequenina, feiinha, com pouco cabelo e com umas orelhas enormes.
As pessoas más quando a viam, chamavam-lhe “careca orelhuda”.
As pessoas boas diziam: “Deixa-os, não lhes ligues, vais ver que ainda hás-de valer mais do que todos eles.”
A menina foi crescendo e tinha muito talento: gostava de música, dançava, os pezinhos eram leves como nuvens e o corpo e os braços pareciam as labaredas da lareira.
E mais ainda, descobriu que tinha o mesmo nome que uma grande bailarina “Margot Fontein” e por isso decidiu que seria bailarina.
O pior era as orelhas. Tudo nela bailava: o corpo, as pernas, os braços, as mãos. Só as orelhas teimavam em abanar, sem graça nenhuma, como o abano que tenho aqui na minha frente e serve para espertar o lume.
Era triste, a Margarida, por causa das orelhas…
Um dia, teve uma ideia, tão simples, tão simples, que ficou admirada por nunca a ter tido antes: Arranjou um turbante, pô-lo à volta da cabeça e guardou, dentro dele, as orelhas. E a menina triste passou a ser uma menina alegre: Saltava, dançava em pontas, fazia a espargata, e as orelhas nunca mais a incomodaram.
Tornou-se uma grande bailarina. Usava sempre o seu turbante. Variava as cores e o feitio. Turbantes azuis da cor do mar, amarelos, cor de rosa, vermelhos, pretos, mudavam conforme as músicas que dançava. E os feitios também: tinha-os com forma de pássaros, de búzios, de toucas de renda. Muitas vezes inspirava-se nos lenços das mulheres africanas.
Passou a ser conhecida como a “bailarina do turbante”. E começou a correr mundo: tão depressa estava na China, como na América, ou em África ou na Europa. Em toda a parte era aplaudida, todos gostavam dela, todos a queriam ver dançar.
E a menina dançava, dançava, e às vezes pensava: Tantas crianças tenho visto pelo mundo fora e todas gostam de mim. Serão crianças felizes? Haverá alguma que, como eu em pequenina, teve grandes desgostos? Serão tristes?...
E parecia-lhe que sim: lembrava-se dos meninos com fome e frio, daqueles a quem tinham morrido o Pai, a Mãe ou os dois, os que tinham desgosto porque não conseguiam aprender na escola ou porque se achavam feios, os que pensavam que os outros meninos não gostavam deles e até os que choravam e se sentiam tristes sem nenhuma razão para isso.
E esta ideia dos meninos infelizes cada vez a afligia mais. O que poderia ela fazer para lhes dar, ao menos, um bocadinho de alegria?
Era preciso uma ideia… uma ideia…
E como a Avóinha, no princípio desta história, teve uma ideia luminosa, agarrou-a com força e deu-lhe “pernas para caminhar”.
Foi a casa de um amigo, o Henrique, que era mecânico de automóveis, um bom profissional, que, como ela, conseguia sair-se sempre bem das dificuldades. Pediu-lhe um motor que fosse leve e pequenino mas muito potente.
“É difícil” respondeu-lhe ele “mas vou tentar”. E conseguiu: Lembrou-se da energia solar, assim não precisava de um depósito de combustível e o motor saiu muito potente, leve e pequenino. “E agora vamos pô-lo no seu lugar. Preciso da tua ajuda” disse ela ao Henrique.
Como eram muito amigos nem se envergonhou de lhe mostrar as feias orelhas. “Preciso que me adaptes o motor, aqui atrás, na minha cabeça, e o ligues às minhas orelhas para fazer delas uma ventoinha. Quero correr mundo, ir visitar meninos tristes, assim poderei deslocar-me com facilidade”.
O Henrique colocou o motor, pôs-lhe as orelhas a bater, deu-lhes a forma de asas e até as tornou bonitas.
A Margarida durante a semana usava o turbante, dançava, dava espectáculos, era aplaudida por todos.
No fim-de-semana punha a ventoinha a trabalhar, ia visitar meninos, conversar com eles, contar-lhes a sua história, dar-lhes presentes.
E, assim, a Margarida era sempre feliz, com orelhas e sem orelhas, durante a semana e ao fim de semana.
Foi assim que ela fez muitos Amigos.
E num domingo de Páscoa, neste domingo de Páscoa, a sua alegria transbordou e foi pelo mundo fora a semear ovinhos de Páscoa por todos os quintais onde havia meninos.
Preparem-se para os procurar. Vão encontrar ovinhos de chocolate, mas mais importante do que eles é a mensagem que a bailarina Margarida vos vai deixar, oiçam-na com atenção:

“Não se assustem com as dificuldades,
Saibam ultrapassá-las e usá-las
para vossa alegria e daqueles que vos rodeiam.
Sejam felizes a fazer os outros felizes.

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